Apesar da estrepitosa trombada com sua base parlamentar e das retaliações sofridas, a presidenta Dilma Rousseff tem negado a existência da crise e deliciado certo pensamento antipolítico ao reiterar que "não cede a pressões". A negação, retórica ou real, aumenta as preocupações (fortes no PT) com este voo solo e conflitivo, rota que pode ser acentuada pela pesquisa que vem aí, apontando nova alta em sua popularidade.
Ficou-nos do general prussiano Carl von Clausewitz a lição de que até mesmo a guerra é comandada pela política, formulação que muito interessou a Lênin ao definir a revolução como extremo da política. Por isso é preocupante qualquer entendimento de que a política não deve comandar a própria política, ou seja, as relações com os partidos e o Parlamento e a dinâmica do processo legislativo.
Além do desconforto da presidente com as exigências da política, os fatos recentes explicitaram uma diferença essencial entre Dilma e o ex-presidente Lula, para além dos contrastes festejados pelos antilulistas que destacam na presidente atributos como a elegância litúrgica e a palavra contida. Vê-se que eles têm compreensões muito distintas sobre a natureza e as exigências de nosso presidencialismo de coalizão, essa feliz expressão com que o cientista político Sergio Abranches definiu nosso regime político-partidário e suas condicionalidades. Frustrando os que apostaram no fracasso de seu governo, Lula (ainda tendo Dirceu a seu lado) entendeu os ditames da coalizão e a importância da credibilidade (interna e externamente) da moeda e da política econômica. Compartilhou o governo até com ex-adversários e beijou o altar de fundamentos econômicos que ele e o PT haviam negado.
Na fase democrática que vivemos, Sarney governou sob o tacão de um PMDB hegemônico, liderado por Ulysses Guimarães, mas garantiu a coabitação com o PFL criado pelos dissidentes da ditadura para garantir a eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral e viabilizar a transição. Collor ignorou as condicionalidades, e na hora H, isso pesou a favor do impeachment. Itamar teve claríssima compreensão do próprio papel e montou um governo de conciliação, no qual só faltou o PT, que preferiu ficar fora (e disso Lula já se penitenciou). Fernando Henrique e o PSDB frustraram parte da base social tucana ao se aliarem ao PFL. O ex-presidente explicou à exaustão que, no Brasil, um partido até pode ganhar sozinho, mas não governa nem promove mudanças, como ele fez. Lula escolheu outros parceiros, mas seguiu a receita, assegurando a governabilidade e novos importantes avanços para o Brasil.
Dilma, tida como essencialmente gestora e técnica, dá sinais de desconforto com as regras do presidencialismo de coalizão. Reagindo a denúncias de irregularidades, afastou seis ministros, de partidos diversos. Colheu aplausos da mídia e desgaste com os aliados, especialmente o PMDB. Recentemente, ela neutralizou um aceno que fizera aos aliados, quando chorou (contidamente, é claro) ao empossar o senador Crivela, do PRB, no lugar do petista Luiz Sérgio. Quando lamentou as imposições da governabilidade, revelou o desgosto com os comandos da política. Na semana passada, após a rejeição do Senado ao nome que indicara para uma agência reguladora, ela pôs fogo na fervura ao substituir os líderes do governo nas duas Casas de modo unilateral, quase imperial.
Um bom conselheiro teria dito que isso não se faz assim. Ato contínuo, o PMDB indicou o defenestrado Romero Jucá para o estratégico posto de relator do Orçamento. Para seu lugar, Dilma apontou o senador Eduardo Braga (AM), da ala minoritária do PMDB. Na política, isso é antinatural. A escolha ainda ajudou a empurrar para a oposição o adversário local Alfredo Nascimento e seu PR. Na Câmara, Dilma substituiu Cândido Vacarezza, da ala majoritária do PT, por Arlindo Chinaglia, que, como o presidente da Casa, é de ala minoritária. Não pode o PT estar feliz se os dois cargos mais importantes estão com a minoria. Mas, nesta altura, essa questão ficou menor. A preocupação real é com a possibilidade de Dilma manter a rota altaneira, amparando-se na popularidade e na economia para rejeitar os ditames da política. Aquela que comanda até a guerra.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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