No próximo domingo realizar-se-á o segundo turno da eleição presidencial na França. Os prognósticos iniciais davam grande vantagem ao candidato socialista François Hollande, que vem se reduzindo gradativamente a favor do atual presidente Nicolas Sarkozy..
Ao analisar resultados históricos pode-se verificar que a França é um país partido onde a centro-esquerda e a centro-direita se revezam no poder há décadas com vitórias por margens mínimas para uns ou outros. Ao lançar uma mirada de longo termo se pode notar diversos episódios violentos naquele país, sendo os mais emblemáticos a Revolução Francesa e a Comuna de Paris. Na tradição terceiro internacionalista, a Revolução Russa é vista por muitos, como decorrência das duas primeiras e, há certa glorificação do conjunto. Há, também, uma glorificação da Resistência Francesa ao nazismo durante a II Guerra Mundial sem levar em conta o papel vergonhoso dos colaboracionistas, sempre que possível, jogado por debaixo do tapete. Portanto o cenário francês à © bastante polarizado desde sempre.
Apesar de nossa ruptura com as concepções da Internacional Comunista serem de longa data, é incrível o regozijo de setores da esquerda democrática com o avanço da esquerda na França. Em minha opinião este fato é quase tão preocupante quanto o avanço da extrema direita. Aliás, ambos coincidem na oposição ao Projeto Europeu.
Refrescando a memória dos desavisados, o Projeto Europeu tem início no pós II Guerra com o Acordo do Carvão e do Aço firmado entre França e Alemanha visando superar muitas décadas de beligerância, pelo menos desde a Guerra Franco Prussiana do século XIX. Este acordo evoluiu para o Mercado Comum Europeu e depois para a União Européia. Só pelo fato de não ter havido nenhuma guerra na Europa nos últimos 67 anos, o saldo é positivo.
Contudo momentos de crise não favorecem a razão e são maus conselheiros. A xenofobia e o racismo já mostraram no passado do que são capazes. Por outra parte pensar que um candidato carismático detentor de uma votação há muito perdida pelo PCF será a salvação da lavoura é ilusório. Afinal, o que a esquerda tradicional tem a dizer de novo? Além da oposição à União Européia, que em última análise, no mínimo, favorece o nacionalismo exacerbado, procura-se defender um mundo do trabalho que está em seus estertores. Como exemplo de categoria que apóia esta esquerda pode-se citar os ferroviários, num mundo que assiste a trens de metrô controlados por computadores onde os condutores são prescindíveis. É claro que o mundo continuará necessitando de trabal hadores. Cada vez mais serão requisitados para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, para a economia verde ou a indústria do entretenimento.
O consumismo como conhecido nas últimas seis décadas na Europa, nos EEUU e no Japão não tem condições de subsistir. Por razões demográficas também não é possível manter as aposentadorias precoces como defende a esquerda tradicional. Os jovens deveriam aproveitar as possibilidades extraordinárias que se abrem neste novo mundo que se delineia. É um processo complexo com implicações de grande monta no plano educacional e cultural. Infelizmente, a esquerda que sempre se colocou como portadora do progresso, tem se mostrado saudosista e conservadora e a juventude, sem perspectivas, volta-se para a extrema-direita.
Quanto aos prognósticos eleitorais, não tenho bola de cristal. Mas não é líquida e certa a vitória socialista. Marine Le Pen está fazendo campanha contra os dois candidatos com dois objetivos: cacifar-se para as eleições legislativas mas, também, tensionar o atual Presidente até o último momento a fim de conseguir mais espaço numa eventual reeleição de Sarkozy. Mas é pouco plausível que a França profunda, a maioria silenciosa católica e reacionária deixe de votar em Sarkozy, apesar do discurso de Marine Le Pen, permitindo assim, uma vitória socialista.
No plano internacional, a vitória de Hollande fortaleceria a idéia de uma governança global democrática para superar a crise. Uma eventual vitória de Sarkozy com uma extrema-direita bastante significativa no calcanhar tende a soluções até há pouco inimagináveis, no limite, com perda de conquistas democráticas há muito consolidadas e violação de direitos dos estrangeiros migrantes..
Dina Lida Kinoshita, professora, membro do Conselho da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, DDHH, Democracia e Tolerância junto ao IEA – USP. Autora de dezenas de artigos em livros, revistas e jornais no Brasil e no exterior.
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