Depois de alguma hesitação, o governo Dilma decidiu antecipar a mudança de regras da caderneta. Entendeu que não poderia correr o risco de se expor aos ataques da oposição como confiscador da poupança do povão às vésperas das eleições. (O País continua traumatizado com o bloqueio da poupança do Plano Collor em 1990 e, ainda que sejam situações diferentes, as comparações são quase inevitáveis.)
Desde logo, confirmam-se duas suposições – ou quase suspeitas, digamos assim. A primeira delas é a de que o Banco Central deixou de administrar a política monetária como pede o regime de metas de inflação. Passou a operar com meta de juros. Os juros têm de cair porque assim o determinou o governo Dilma. Depois se vai ver o que fazer com eventuais efeitos colaterais.
Em princípio, nada de errado na troca de metas. O problema está em que o Banco Central não a admite. Toda sua comunicação e, principalmente, os textos oficiais mantêm o teatro de que continua a observar estritamente os critérios do sistema de metas.
A segunda quase suspeita é a de que vem aí um corte mais alentado dos juros básicos. A proposta inicial era apenas atingir um dígito (juros abaixo de 10,0% ao ano). Mas, de lá para cá, a atividade econômica baqueou, conforme ficou confirmado nesta quinta-feira com baixo desempenho da indústria. Como não se viram ainda sinais de nova safra de inflação, a decisão foi derrubar ainda mais os juros. E aí passou a ser necessária a alteração das regras das cadernetas. Elas pagam rendimento anual entre 6,5% e 7,5% – juros anuais de 6,17% mais a Taxa Referencial de Juros (TR) – e não estão sujeitas nem ao Imposto de Renda nem a taxas de administração. Isso significa que, a partir de juros básicos (Selic) de 8,5% ao ano (hoje estão em 9,0%), as cadernetas começarão a tirar fatia de mercado dos títulos do Tesouro e dos fundos de renda fixa.
A nova remuneração da caderneta corresponderá a 70% da Selic mais a TR quando os juros básicos ao ano estiverem em 8,5% ou abaixo disso. Isso quer dizer que juros a 8,5% ao ano estarão pagando algo em torno dos 6,0%. Como ficou definido que os juros cairão, logo chegará o dia em que a nova caderneta pagará remuneração bem mais inferior a que começa a valer a partir desta sexta-feira.
Muitas são as questões que terão de ser avaliadas nas próximas semanas a respeito das novas regras. Uma delas é o nível de risco que deverão trazer para o Sistema de Poupança e Empréstimo. Fácil entender por quê. Os depósitos em poupança são usados pelos bancos para financiar a compra de casa própria a juros proporcionais aos pagos ao aplicador na caderneta. Se a Selic tiver de voltar a subir – como já teve tantas vezes no passado –, a remuneração da caderneta também terá e, com ela, os juros cobrados do mutuário do sistema. Se os juros na ponta do tomador do financiamento habitacional forem fixos, haverá o risco de ficarem descasados com a remuneração paga na nova caderneta – embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desconsidere essa possibilidade. E, se forem flutuantes, para que acompanhem a remuneração da caderneta, o risco será o descasamento entre o valor da prestação (mais os juros nela embutidos) e a renda familiar do mutuário.
Até agora, o governo apenas revelou preocupação com o impacto político da mudança. Vai ser preciso saber como vai equacionar essas variáveis técnicas.
Acima, ano a ano, o saldo em caderneta de poupança desde 2006.
Fraqueza. A atividade industrial no mês de março foi mais fraca do que se previa. Os números do IBGE mostram queda de 0,5% em relação a fevereiro; de 2,1%, ante março de 2011; e baixa de 1,1% no período de 12 meses. As estatísticas de abril não deverão apontar melhora significativa, como mostram o modesto crescimento do consumo industrial de energia elétrica e a redução de 6,6% das importações de matérias-primas e bens intermediários da indústria.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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