Numa manobra que deve ter feito Montesquieu revirar-se na tumba, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou por unanimidade uma proposta de emenda constitucional (PEC) que dá ao Legislativo o poder de sustar atos normativos do Judiciário.
Se a iniciativa prosperar, o princípio da separação dos Poderes terá sofrido um sério revés. A força do Judiciário reside justamente no fato de ele ter a palavra final na interpretação da lei. A PEC, proposta pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), tem apoio da bancada evangélica, que vê nela uma chance de reverter decisões polêmicas, como o casamento gay e o aborto de anencéfalos.
O discurso do parlamentar é o favorito de 9 entre 10 conservadores: ao atuar como legislador positivo, o STF usurpa funções do Congresso. É verdade que o Supremo deveria exercer o chamado ativismo judicial com máxima moderação, mas é insustentável afirmar que a lei é a única fonte do direito. A ela se somam outras como o costume, a analogia, a doutrina e, especialmente, a jurisprudência.
Vou além. Há assuntos com que o Legislativo -no qual grupos organizados como igrejas, sindicatos e certas categorias profissionais estão super-representados- não lida bem. Questões morais são um bom exemplo. Dado que poucos legisladores querem ser identificados como o parlamentar que foi contra "a palavra de Deus" ou que rifou "as conquistas dos trabalhadores", esses temas são tratados de forma enviesada.
Também reluto em entregar a 11 pessoas não eleitas tarefas que caberiam a 594 indivíduos munidos de mandato, mas, diante das distorções, é preferível que esses 11 atuem a blindar a legislação contra avanços.
A ideia é que os três Poderes se equilibrem em um sistema de freios e contrapesos e produzam resultantes viáveis. Está longe de ser uma solução perfeita, mas ela vem funcionando mais bem do que mal em países democráticos há uns 200 anos.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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