Alegria dos britânicos no jubileu da rainha mostra que precisamos de algo além da razão e do interesse
Custa a crer que os britânicos exultantes e extáticos nas festas da rainha também façam parte da morosa e macambúzia União Europeia. Compare-se as multidões às margens do Tâmisa com os furiosos protestos nas ruas de Atenas ou os desesperançados ocupantes da Puerta del Sol em Madri!
Em termos de recessão e retrocesso econômico, o Reino Unido atravessa fase pior que a da Grande Depressão dos anos 30. Em agosto do ano passado, os motins e saques em cidades britânicas davam a impressão de uma dissolução dos laços de coesão social.
No entanto, a bem orquestrada estratégia da festa dos 60 anos do reinado foi o suficiente para fazer esquecer as inquietações recentes. Quase se criou a ilusão de que estavam de volta os dias do apogeu do império britânico no jubileu da rainha Vitória em 1897. O que faz afinal do Reino Unido uma categoria tão à parte do resto da Europa, para não dizer do mundo?
Jacques de Bourbon Busset escreveu que nunca havia encontrado um membro dos governos europeus no exílio em Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, que secretamente não tivesse preferido ter nascido britânico.
A frase é injusta porque, não tendo sido ocupado pelos nazistas, o Reino Unido viu-se poupado do triste espetáculo de traições dos colaboracionistas nos demais países.
Derrotar a tentativa de invasão não foi, porém, um golpe de sorte ou fruto da insularidade. A tenacidade e o heroísmo da Força Aérea e do povo explicam muito do resultado. Como Winston Churchill comentou sarcasticamente aos franceses: "A diferença é que nós britânicos somos menos inteligentes que vocês. Não percebemos que tínhamos sido derrotados e continuamos lutando".
O triunfo do jubileu contém duas lições significativas. A primeira é que, não obstante o exagero de afirmar que a globalização aposentava o velho Estado-nação, nada conseguiu de fato superar a força do sentimento nacional. Em tempos de guerra ou crise, o que sustenta os britânicos é o "God Save the Queen", o "Rule Britannia", as cores da bandeira, o orgulho de um passado comum, de herança partilhada.
O francês Charles de Gaulle se sentiria justificado ao ver que, ante a Europa das pátrias, de pouco vale o pálido e quimérico conceito da pátria europeia.
A segunda lição é sobre a vantagem dos símbolos, no caso, a de uma pessoa que encarna simbolicamente a nacionalidade, o passado e a continuidade das gerações.
Acima de partidos e facções, sem o desgaste das decisões do dia a dia, a figura da rainha é um paradoxo: não controlando o governo das coisas, ela possui o poder de agir sobre as pessoas e os corações.
Não basta, contudo, estar separado da responsabilidade do governo. É preciso ser ou parecer decente, digno, detentor das virtudes que todos gostariam de ter. "Um fraco rei", dizia Camões, "faz fraca a forte gente".
Não só de bens vivem os homens, mas também de valores culturais, imateriais, das imagens criadas pela arte, a cultura, a história. Precisamos, como perceberam os britânicos, de algo além da razão e do interesse, de símbolos que atuam sobre as emoções, sobretudo, o afeto e a solidariedade.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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