Recebi, com imensa indignação, um comunicado de um membro da Comissão designada para apurar o destino dos desaparecidos políticos em Pernambuco, sobre a fraude de uma carta contendo ameaças e intimidações à família do vereador Marcelo Santa Cruz, subscrita com o meu sobrenome. Gostaria de reafirmar de público o meu grande apreço e respeito pela trajetória de um parlamentar pernambucano, que fez de uma tragédia familiar, uma motivação para lutar pela justiça e pela democracia em Pernambuco.
Conheço Marcelo Santa Cruz, desde os estertores da malfada ditadura militar brasileira. Estivemos juntos em muitas frentes de luta, eventos, mesas, debates etc. Nunca estivemos de lados opostos ou divididos por opiniões ou interesses políticos diversos. Não posso, assim, deixar passar barato uma tentativa infame de me colocar contra uma pessoa, com quem tenho todos os motivos do mundo para apoiar ou concordar. Fique aqui o registro desse depoimento público para os desavisados e os mal-intencionados.
Estamos atravessando um momento difícil. O clima de "caça às bruxas" que se abriu, com uma cruzada pública de moralidade republicana e de denúncias de todas as origens e contra todo mundo, certamente tem contribuído para essa aura de desconfiança generalizada, com falsos paladinos da honra pública, injustiças, calúnias e infâmias cometidas contra tudo e contra todos. Essa estratégia tem um sentido: nivelar a todos, neutralizando o direito de resposta, a denúncia, a resistência e a luta pela reparação de direitos e danos morais, humanos e políticos.
A questão que se coloca diante dessa estranha situação é se as medidas tomadas recentemente pelo governo federal e estadual terão força e legitimidade suficientes para encaminhar a espinhosa (mais inadiável) tarefa de apurar o paradeiro das 123 vítimas da ditatura militar, aqui, em Pernambuco. Após o que, as famílias procurarão necessariamente a responsabilização penal dos autores desses crimes e a justa reparação pelos danos humanos, morais e político- para que possam finalmente dormir em paz. Nesse ponto, é de se arguir pela composição da comissão nomeada pelo atual mandatário estadual para esta difícil missão. Seria desejável que nenhum de seus integrantes tivesse - em algum momento - servido de instrumento para perseguição de opositores políticos a governadores a quem serviram. Ou que nela estivessem pesquisadores e historiadores preocupados, não com os conservadores e liberais de antanho, mas com os torturadores, ditadores e conservadores do presente.
De toda maneira, no Brasil as coisas se dão sempre na base da conciliação. Nunca do enfrentamento direto e radical dos problemas e das questões. Esse é o caminho brasileiro para as mudanças históricas, que faz com que nos tenhamos de conviver, diuturnamente, com aqueles que nos oprimiram um dia. Oxalá, pelo menos os parentes - como Marcelo Santa Cruz - dos nossos desaparecidos políticos possam ter o consolo da verdade e da justiça, com a pressão da sociedade civil, a fiscalização da mídia e do compromisso ético e político dos membros dessa comissão de ir até o fim.
Michel Zaidan Filho, cientista político, professor da UFPE
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