Em seus quase 18 meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff tem se revelado uma presidente firme nos propósitos, rígida em relação a assuntos éticos e uma pessoa com a compreensão exata daquilo que o ex-presidente José Sarney (1985-1990) chamou de "liturgia do cargo". Nem mesmo a demissão de sete ministros, em período tão curto, deixou em algum momento a impressão de que o governo perdera a compostura.
Na comparação com os dois mandatos de Lula, os meses de Dilma mais parecem a superfície do Lago Paranoá em dias de calmaria. Até a semana passada, quando as maquinações alopradas do Partido dos Trabalhadores voltaram a criar marolas no ambiente político. E o que é pior: justamente no momento em que o país mostra que, a exemplo de seus parceiros do Brics (Rússia, China, Índia e África do Sul), também é vulnerável à crise econômica mundial.
O maior fator de perturbação nesse período nem foi o bate-boca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o ministro do Supremo Gilmar Mendes ou o fato de Lula, mais uma vez, debochar abertamente da Justiça Eleitoral e fazer campanha, fora de época, de sua mais nova invenção eleitoral, o candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em entrevista ao apresentador Carlos Massa no "Programa do Ratinho", levado ao ar na quinta-feira pelo SBT. O pior foi o que Lula disse sobre a sucessão de Dilma.
Em vez de ficar calado, como recomendam os bons manuais de política, Lula admitiu, durante a entrevista, que pode ser candidato a presidente da República em 2014. Pelo menos teve o cuidado de fazer uma ressalva: "A única hipótese é se ela não quiser. Eu não vou permitir que um tucano volte à Presidência do Brasil", disse o ex-presidente.
Lula sabe muito bem que Brasília vive da expectativa do poder, e a cada gesto mais categórico - como enfrentar uma plateia com mais de mil prefeitos ou banqueiros pouco inclinados a reduzir os juros -, Dilma mais transmite a impressão de que é presidente de um mandato só. Do contrário, ela não desafiaria tantos interesses ao mesmo tempo. Dizem isso governadores, líderes e presidentes de partidos aliados.
Atualmente, Dilma trava batalhas em várias frentes, simultaneamente: ao fisiologismo escrachado do Congresso; contra banqueiros que se habituaram a lucros exorbitantes; militares contrários a que apareça - e a história registre - o que eles efetivamente fizeram nos anos de chumbo da ditadura; e ao corporativismo que engessa a administração pública (e o Orçamento Geral da União). O que a presidente precisa é de apoio às boas iniciativas, não de dúvidas sobre a autonomia que ela lentamente conquistou, tornando-se uma presidente popular, depois de ser tutelada e eleita por Lula em 2010.
É segredo de polichinelo, não só em Brasília, que o Instituto Lula, a nova sede de trabalho do ex-presidente da República, transformou-se em destino de peregrinos insatisfeitos com o jeito Dilma de governar. Sejam ministros ou outros que tiveram o interesse contrariado por alguma decisão da presidente da República. Ou seja, o instituto que um dia foi chamado de Instituto da Cidadania se transformou numa fonte de poder que se irradia sobre a maioria do PT e dos que não conseguem esconder as saudades dos tempos do ex-presidente da República.
A declaração de Lula, com todas as ressalvas feitas, enfraquece politicamente a presidente Dilma Rousseff, num momento crítico da vida nacional. Além disso, são mesmo arrogantes, como acusou a oposição, pois não será ele, e sua imensa popularidade, a "permitir" que um tucano volte ao poder. Essa é uma decisão a ser tomada por mais de 100 milhões de brasileiros que, assim como souberam escolher Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, um dia também acharam que o melhor para o país era o atual senador Fernando Collor de Mello, o "Caçador de Marajás".
Mais dia menos dia, parece inevitável o surgimento de algum tipo de movimento "queremista" no país, como aconteceu no passado com Getúlio Vargas, outro político de extração populista como Lula. O ex-presidente, no entanto, deve esperar que o povo vá chamá-lo de volta a São Bernardo do Campo, se este for o caso e a preferência nacional não for, por exemplo, a reeleição de Dilma. Até lá, ele ajuda muito mais ficando quieto. E sem cometer atos falhos.
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