Não estava, nem precisava, estar escrito que a corda arrebentaria nas mãos de Lula quando lançou ao ar, como quem joga dado com divindades, a candidatura Dilma Rousseff. Dos cálculos dele não constava a reeleição da sucessora, mas seu terceiro mandato. Nem ela empenhou a palavra, nem o ex achou necessário de sua parte. Tudo parecia implícito. Ninguém poderia era imaginar que o pessoal do mensalão atravessasse a volta ao poder pelo caminho mais longo. E com ele no comando.
A coincidência , por conta do acaso, foi outra: o arremate feminino com que a presidente Dilma aliviou, sem alarde, o modo tosco dos governos Lula mediante polimento político de que a própria democracia andava carente.
Ninguém estava preparado para ler o futuro, adiantado por Lula em resultados anunciados antes mesmo de começar obras dadas como concluídas, mesmo sem sair do papel. Ou proclamar nova classe média no espaço reservado à crescente parcela social que teve precedência oficial (e ficou por aí) no acesso ao consumo. Um país com duas classes médias não podia se considerar preparando para situação com que não contava.
Ficou pior quando o ex-presidente Lula, com disponibilidade ociosa de tempo e impaciência primária, e a sucessora dele, em má hora, se deixaram fotografar com cocares em solenidade indígena estampada nos jornais e na televisão. A experiência republicana recomenda evitar o uso de peças dessa procedência, com poderes ocultos que não procedam das urnas.Sobre tais cerimônias paira a certeza de que, mesmo sem fundamento científico e sem recorrer a pesquisas de opinião, o sobrenatural sempre deve ser levado em conta.
Não faltaram observações pertinentes de que os dois portadores de cocar estavam expostos ao imponderável e, assim ou assado, nenhum benefício poderiam esperar da imprudência (JK foi um campeão de votos que não brincava em serviço: cocar, na cabeça dele, nem mesmo para uso fotográfico no carnaval. E se deu bem. O Itamarati mantinha de plantão uns três diplomatas para oferecer explicação palatável: fotografias faziam mal ao presidente, uma forma rara de alergia. Ficava por aí a escusa de Kubitschek).
Fechado o parêntese, voltamos a Lula e Dilma, com largos sorrisos e os imprudentes cocares à espera da oportunidade, que pode tardar mas não falha. Lula, porém, não parece ter admitido o elo entre a solenidade indígena e o chega-pra-lá com o ministro Gilmar Mendes, quando se confrontaram de longe, em meio a versões que entram e saem de circulação sem fazer cerimônia. Mas não iria acabar mal, por pior que tenha sido o começo de tantas versões que não tiram o sonho de ninguém. Não eram para valer, claro.
A circunstância política situa Lula entre gente de todo tipo, com ou sem mandato eletivo, empresários privados, grandes empresas, boas comissões por cima e por baixo, por dentro e por fora de grandes obras que ficam pelo caminho. A opinião pública, naquela faixa reservada à nova classe média, não se adianta aos fatos e não quer saber da terceira candidatura Lula, que já entrou em quarto minguante.
Embora cedo para falar de sucessão, com uma CPI (mista, ainda por cima) na gerência da questão inesgotável, ela se encaminha de maneira cada vez mais desfavorável a Lula e, obviamente, pende a favor da segunda candidatura Rousseff, pela elementar razão de que se evaporou a possibilidade com que o ex-presidente contava.
Ex-presidente tem peso equivalente a vice-presidente: é simbólico. Depois do que se passou e, principalmente, do que não se passou, Lula ficou para trás. Sua imagem está alcançada por um conjunto de circunstâncias que destoam da sua versão pessoal. A valentia dele em nome da fatalidade histórica se esgotou e a presidente Dilma aprendeu a não depender de terceiros. Mas com outros modos e palavras.
Alguém precisa dizer ao inconformado ex-presidente que não foi apenas o ritual do cocar que inviabilizou a candidatura dele, mas ele próprio, por perda da noção do momento certo. E que não peça indenização aos índios.
Não há nada que prejudique mais uma candidatura dependurada nas circunstâncias do que, na hora do confronto, refugiar-se no silêncio e dele emergir com gemidos como “há gente que não gosta de mim”, digno de uma faixa de saudade no esquife da candidatura. O cemitério da história está cheio de candidaturas nati-mortas.
FONTE: JORNAL DO BRASIL
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