quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Aspásia Camargo defende a municipalização da Cedae

Candidata admite avanço na gestão de Paes, mas critica ações na saúde

RIO - A candidata do PV Aspásia Camargo disse, na tarde de terça-feira durante sabatina do jornal O GLOBO, que negou ter feito elogios ao prefeito e candidato à reeleição Eduardo Paes (PMDB) no programa eleitoral desta segunda-feira, mas admitiu que houve avanços na atual gestão. A deputada estadual, que é a segunda entrevistada na série organizada pelo jornal com os candidatos a prefeito do Rio, aproveitou a pergunta para atacar a gestão municipal na saúde, e disse que a economia do Rio não é sustentável. Para ela, “não basta ser síndico” das obras.

— Eu sei e não posso negar que o Rio de Janeiro saiu de uma crise profunda. Ele passou, praticamente, duas décadas abandonado, descapitalizado. A fusão foi um desastre para a cidade. Ora, quando a situação melhora um pouco, eu acho que as pessoas, e não só eu, tem um sentimento que as coisas estão bem — afirma Aspásia. — Não estamos precisando de síndico apenas.

Qual o principal problema ambiental da cidade, e como resolvê-lo?

O saneamento ambiental como um todo. É o problema da coleta e do tratamento de esgoto e do lixo. É um problema emergencial, da maior gravidade. Foi uma agenda que entrou na pauta da cidade no século 19 e nós estamos no (século) 21 com todas as nossas praias poluídas, todos os nossos rios, o sistema lagunar da Barra inviabilizado, a Lagoa da Tijuca que já está praticamente morta. A Baía de Guanabara... ontem, um Grael (família de iatistas) estava navegando no que vai ser a raia olímpica e viu monturos de lixo atrapalhando o barco.

O saneamento e o esgoto são de controle do estado. A senhora está propondo retomar?

São Paulo está caminhando para a universalização do seu saneamento, enquanto o Rio está refém da Cedae, que é pior negócio do mundo para o Rio de Janeiro. Niterói pediu carta de alforria, e está com 90% de esgoto tratado. A Região dos Lagos pediu carta de alforria e tem planos de metas em que se acompanha, a cada seis meses, o que melhorou.

A senhora advoga municipalizar o tratamento de esgoto?

Municipalização é o caminho óbvio. A Constituição nos permite. A Cedae não é Cedae, é “Ceda”. O “e” (de esgoto), ela não tem. Não tem nem uma diretoria de esgoto. E não tem dinheiro também. Depois que ela foi saqueada por várias gerações de políticos e se transformou numa empresa realmente sucateada, o Wagner Victer (presidente da Cedae) conta de que maneira ele a recebeu. O que ele está tentando fazer por lá é salvar a empresa, capitalizá-la, botar na Bolsa de Valores, mas aí a Cedae não pode fazer empréstimo, não tem plano de metas... Na Comissão de Saneamento entramos com um projeto de lei para colocar um pouco de ordem nisso.

A senhora pretende municipalizar e privatizar?

O que é privatizar? Concessão não é privatização. É (criar) a Agência Carioca de Águas e Saneamento Ambiental. A Cedae tem dificuldade no abastecimento de água. Vi a Baixada Fluminense inteira sem água. Tem uma taxa de desperdício brutal, que chega a 40%, 50%, e logicamente, isso tudo nós é que pagamos. As tarifas são muito altas e o sistema é ineficiente. Três municípios da Baixada estão fazendo a mesma coisa que fez Niterói. Então eu pergunto: será que nós somos o bobo da corte? Vamos ficar eternamente com o serviço tão ruim quando os outros municípios foram muito mais ousados, independentes, e tomaram essa decisão?

Olimpíadas no esgoto

A senhora mudaria alguma coisa no projeto das Olimpíadas em relação ao que está sendo feito?

Não podemos repetir o que aconteceu com os Jogos Pan-Americanos, fazer uma competição olímpica desta magnitude no meio do esgoto mal cheiroso e no meio de uma bacia lagunar completamente destruída. Acho que isso é crime de lesa-pátria. Também não concordo com o acordo de colocar estação de tratamento de rios. Em matéria de esgoto, apenas 30% das casas de Jacarepaguá estão conectadas à rede. Na visão mais otimista, nós temos 70% produzindo esgoto sem parar e jogando nas lagoas da Barra.

Inventário na Saúde

Quais são suas propostas para a área da saúde?

Eu fiz 14 propostas quando fui relatora da CPI da Saúde em 2005. Vocês se lembram que a saúde quebrou no Rio de Janeiro. Foi um momento difícil porque o Cesar Maia tentou a municipalização e o governo federal não deu suporte para que ele tivesse êxito nisso. Houve um problema de caixa e a coisa acabou em guerra, com tendas no meio da rua. Mas de lá para cá, ninguém disse que o Rio de Janeiro tem a maior rede de saúde do Brasil e do mundo. Em nenhum pais do mundo que eu tenha conhecimento há tanto posto de saúde, UPA, saúde de famílias como o Rio de Janeiro. Então esse é o problema.

O problema, então, é o tamanho da rede de saúde na cidade?

O problema é gestão e autoridade. Porque o primeiro mandamento do SUS é que o prefeito tem que comandar a rede inteira.

Mas o Rio atende pacientes que vem de áreas vizinhas.

Sinceramente, eu acho que esse não é o problema. Isso pode agravar um pouco mais, apertar um pouco mais....

Mas deputada, isso é um terço das internações...

As queixas que eu tenho ouvido não são de hospitais onde é atendido esse público. E eu quero dizer também que o prefeito do Rio de Janeiro não conversa com a Região Metropolitana porque o governador nunca se preocupou em dar uma estrutura de governança para o problema. É a pior Região Metropolitana do Brasil, a que menos conversa, a que tem mais desigualdade. Eu acho que o prefeito não pode ser apenas um gestor do primo rico da Região Metropolitana e deixar os pobres à deriva. Aliás, nem sempre são tão pobres, mas têm problemas de desordem administrativa. Eu acho que primeiro precisamos ter um inventário para saber quantos hospitais temos, quantas unidades. Porque eu estou aqui há dois meses e tenho várias listas (diferentes). Ninguém sabe. E como o SUS delega ao prefeito a gestão plena da saúde, isso quer dizer que ele tem que comandar do ponto de vista da informação, do controle e do planejamento de toda a rede. E ele não tem informações sobre isso.

Isso não seria atribuição do SUS?

Não, isso é a informatização do serviço. É lógico que o prefeito não pode informatizar com o dinheiro dele um hospital que é federal, mas ele pode pedir um prazo de dois, três meses, para que esse cadastro seja feito. Se nós não informatizarmos esta cidade nós vamos perder o bonde da história. E a informatização é a transparência, é controle, melhor usos dos recursos.

A senhora é a favor das OS? Da terceirização da saúde?

Bem, eu tenho alguma autoridade para falar sobre as OS porque eu implantei a OS na Rede Brasil, no tempo que era TV Educativa. E também acompanhei toda a visão inicial da OS. E nunca vi nada parecido com isso que está aí. Então, sinceramente, acho que o modelo das OS que estamos usando aqui está equivocado.

Então qual seria o modelo que a senhora defende?

Eu não sou contra a terceirização dos serviços. Acho que seria uma tolice dizer uma coisa dessa. A OS é um serviço que funciona na Filarmônica de Nova Iorque, na Universidade da Califórnia, em tudo que é lugar no mundo. O problema aqui é que você não entrega um órgão público, sobretudo na Saúde, porque é área prioritárias para o Estado. Eu não posso deixar um hospital à deriva, sem um comando. Eu não sei exatamente quem são essas OS. A gente não consegue visualizar com clareza quem são essas pessoas.

Padrão africano

Quais são os seus planos para a Educação?

Desde Darcy Ribeiro que a gente diz as mesmas coisas e o próprio prefeito disse isso na sua campanha passada, que nós tínhamos que dar um jeito no tempo integral na escola. Mas, na verdade, a última palavra hoje nesse assunto é muito mais que o tempo integral na escola é a educação integral na rede. E a educação integral pode ser ou não na escola.

Mas o que a senhora faria de cara para mudar esse quadro?

Voluntariado. Estive conversando longamente com uma pessoa que está vindo dos Estados Unidos e lá não precisa fazer nada demais. Simplesmente acontece. Lá os empresários investem na escola. Os professores aposentados podem entrar nisso também. O Ideb está nos mostrando que temos que fazer alguma coisa. Não podemos continuar nessa padrão africano de educação no Rio de Janeiro. E o Fundeb mostra que tiveram R$ 500 milhões que não entraram no circuito porque houve uma manobra orçamentária. E esses R$ 500 milhões podem entrar.

“Metrô é uma linguiça”

Quais suas propostas para a área de transporte, como melhorar o trânsito. E o que é melhor, BRT ou metrô? Metrô vai chegar à Zona Oeste? (pergunta sintetizada a partir de questões dos internautas André Stanciole, Derick Sias Rocha e Daniel Plata)

Como a questão da saúde, que está invertida, o problema no transporte talvez seja ainda mais grave. A rede de transporte de metrô que existe em Paris, Londres e Nova York foi montada em 1905. Em Nova York, levou cinco anos para fazer metrô. Claro que essa rede se expandiu, mas o centro dessa rede foi montado naquela época e cem anos depois funciona normalmente. O que fazem no Rio é construir uma rede errada, torta, estranha e muito tímida. O número de quilômetros de metrô, é até vergonhoso dizer, não chega a 30 e poucos quilômetros, 50 quilômetros. É uma coisa insignificante. No que o prefeito pode ajudar? É aí que a questão está invertida. Temos 1,5 milhão de carros, 2,5 milhões de pessoas andando de ônibus e, depois, 500 mil no trem e 600 mil no metrô. E detalhe, as vans. Claro, a estrutura não atende as pessoas, ainda mais nessa cidade menos compacta. Pessoas vêm de longe e não têm como se conectar com uma rede tronco. Primeira questão, padecemos de falta de trilho. E a sustentabilidade que defendo tem que ter investimento ousado em trilho. Para ter grandes troncos receptores de outros meios de transporte.

E a senhora faria isso como?

É delicado, mas não vou esconder isso de vocês. Precisamos ter medidas de desincentivo ao automóvel, por exemplo, no Centro da cidade. Rodízio, não. Rodízio, em geral, não dá certo. Para sair do impasse e não criar um problema maior do que se quer resolver, é preciso dar alternativas. Se você tem um VLT circulando pelo Centro da cidade eficientemente, vou começar a usar isso porque é melhor. Podemos fazer correção no metrô, pressionar para que isso aconteça. Sabemos que há lobby. Como foi feita essa história da linha 4 do metrô? É lobby. Não sei por que, por quem. Mas que há, há. Porque não é possível uma cidade como o Rio em vez de ter uma rede de metrô, ter cada vez mais uma linguiça. É uma linguiça. Todos os caminhos levam à linha 1, que vira a linha 4, que vira a linha 2, que vira a 1. Isso é irracional.

Marina e Gabeira

O que houve com PV no Rio? Quase elegeu Fernando Gabeira a prefeito, em 2008, e Marina Silva ganhou aqui, em 2010, no primeiro turno da eleição presidencial. A senhora está com poucos votos.

Eu espero que não tenha havido nada de grave. Porque, na verdade, quando você tem alianças, a situação é uma. Quando você não tem alianças, a situação é outra. Eu entrei nessa campanha sozinha, com uma grande bandeira da sustentabilidade, e não tem ninguém para me atrapalhar. Eu acho que isso é bom. Isso é bom por que o meu trabalho é um trabalho de seduzir, de explicar.

A Marina Silva não está mais no PV e ela não apoia nenhuma candidatura majoritária aqui no Rio. E, mesmo assim, a senhora usa a imagem dela no programa eleitoral. A senhora acha isso honesto com o eleitor?

Eu não vejo problema nenhum nisso por duas razões. Primeiro, porque eu estou me referindo ao fato que estive com ela na campanha presidencial. O que eu estou dizendo é que na campanha presidencial que ela fez em favor da sustentabilidade, eu estou fazendo aqui nos mesmos moldes para o Rio de Janeiro. Isto é uma verdade. Não há nenhum tipo de problema com isso. Ela tem conhecimento. Eu tenho estado com ela.

A senhora se sente um pouco abandonada pelo partido, por ter pessoas que estão fazendo campanha para outros candidatos, como o Marcelo Freixo?

Também têm pessoas do PT que estão me apoiando. É assim na política, sobretudo brasileira, porque os partidos não têm essa consistência que nós imaginamos. Estou feliz com o meu partido porque todos os candidatos estão me apoiando, tenho saído pela cidade com eles, todos estão com a minha propaganda, minhas placas, meus folhetos, e todos estão satisfeitos porque estou tratando os proporcionais com muito carinho. Agora, se alguém lá, secretamente, prefere outro, isso é da vida, mas está acontecendo em outros partidos. Há pessoas do PT que estão comigo, não com o prefeito. Há pessoas do PSDB que estão comigo, não com o Otavio.

E o Gabeira?

Eu falo com o Gabeira com uma frequência muito grande. Conversei com ele ontem, anteontem, estamos no melhor dos mundos. Ele esteve na minha convenção, só saí candidata porque ele me incentivou. Se ele não me apoiasse, por que ele iria na convenção, que definiu meu nome, sentar à mesa comigo?

Teoria das coalizões

Nos debates, nos programas, a senhora tem feito elogios ao prefeito Eduardo Paes. No último debate a senhora disse que ele faz uma boa administração. Qual o motivo de tantos elogios por parte de uma candidata de oposição?

Eu não sei de onde veio isso. Eu acredito que é porque nós temos uma cultura política extremamente agressiva e hostil nos debates eleitorais. E isso é uma coisa muito antiga. Inclusive escrevi o livro “O drama da sucessão e a crise do Regime”, em 1986, no qual me preocupei em mostrar que os debates eram guerras fratricidas. E essa cultura permanece. E é ela que impede o debate verdadeiro, porque eu quero discutir com o prefeito aquilo que é relevante para o futuro do Rio de Janeiro. Mas eu sei, e não posso negar isso, que o Rio saiu de uma crise profunda. Ele passou duas década praticamente abandonado, descapitalizado. A fusão foi um desastre para a cidade. Nós na verdade sustentamos durante um bom período o Estado do Rio que era muito pobre. A cidade empobreceu muito. Ora, quando a situação melhora um pouco, aparecem os Jogos (Olímpicos), legados, é certo que houve investimento em obras e ninguém pode negar isso. Eu acho que as pessoas tem o sentimento que as coisas estão bem.

A senhora quer ser secretária do Paes?

Eu quero falar uma coisa para vocês. Esse diz que diz aí que eu quero ser isso é bem a mentalidade do Rio. Isso é brincadeira. Eu recusei a Secretaria de Cultura, um ano atrás ou um pouco mais.

E se ele for reeleito e convidar, a senhor aceitaria?

Você está me perguntando uma coisa que eu vou dizer que já não aceitei uma vez e que posso não aceitar a segunda. Não tenho interesse de ser secretária de nada.

Mas a senhora faz alguma crítica ao prefeito?

A Rio+20 aconteceu aqui. E não é possível que se passe ao largo disso e seja seduzido por uma política de obras apenas. Eu sinto dizer a vocês mas foi o que derrubou o Washington Luiz na República Velha. Ele dizia que governar é fazer obras, construir estradas. E estamos no mesmo ponto. Eu sou especialista na teoria das coalizões: quanto maior é a coalizão, maior é a paralisia da máquina. Isso são cientistas políticos que estudaram, pessoal que fez simulação de teoria dos jogos. Se você põe 19 partidos numa carroça, a carroça para. Porque um quer ir para frente, outro para trás, um para esquerda, e outro para direita. Só tem uma maneira de não parar, que é o prefeito agir com autoridade imperial acima desses grupos, deixar as pessoas se divertindo com uma coisa ou outra, e exercer sua plena autoridade. E isso não é moderno. Não é o que o Partido Verde defende, não é o que o Brasil precisa. O que a democracia brasileira precisa é de um sistema mais organizado. E a sustentabilidade que eu defendo não se segura sem um estrutura de planejamento, o que a cidade não tem. Esse para mim é o ponto central.

Remoção em área ambiental

Como a senhora pretende combater o problema de favelização?

Quando entrei na Câmara, vi tolerância grande na ocupação de áreas ambientais, de áreas verdes, de encostas. Ninguém tinha coragem de mexer nisso, mas eu tive. Estou convencida que a gente tem formas de resolver isso, mas não com as políticas oficiais que estão aí.

E remoção seria solução?

Remoção como política, de jeito nenhum. Só podemos remover de área de risco e situação de inconveniência, e fazer a urbanização de maneira negociada. Quando urbanizar uma favela, tem que criar e abrir vias de acesso. Isso implica, sim, remoções, mas remoções pagas, indenizando os trabalhadores. Mais de 1 milhão de pessoas estão nessa situação. Sou a favor de uma regularização fundiária. É uma dívida social que temos, como no Cantagalo, que tem famílias há 70 anos lá. Tem que dar essa carta de alforria.

Algumas famílias também estão há muitos anos no Jardim Botânico...

Sempre protegi o Jardim Botânico dessa loucura. É uma área de preservação ambiental. A diferença é que o Cantagalo nunca foi uma área de preservação ambiental. O Jardim Botânico é três ou quatro vezes protegido, com tombamento, unidade de conservação, patrimônio. Sou a favor de remoções apenas nas áreas de risco e de proteção ambiental.

Resquício de stalinismo

Quais seus projetos prioritários para a cultura?

Fui secretária de Cultura e achei que precisava fazer algo do meu punho sobre isso. E também houve uma polêmica desagradável e difícil sobre o que a cultura pode fazer ou não pode, sobre intervencionismo. E me senti no dever de me pronunciar sobre isso.

A senhora está falando sobre o candidato Marcelo Freixo?

Estou falando do caso do Freixo. Eu quero dizer que gosto muito do Freixo, uma pessoa que tem muitos méritos. Certamente que a campanha dele dá uma contribuição crítica. Mas em matéria de Cultura, acho que apareceu aquilo que estava escondido, que é o PSOL. Essa visão partidária do PSOL é um resquício de grupos antigos que militaram na esquerda brasileira, numa época em que havia União Soviética, em que o stalinismo dominava muito as consciências. E eu considero que isso atrapalha o Freixo. Eu acho que ele vai se libertar disso.

FONTE: O GLOBO

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