A presidente Dilma Rousseff deixará um bom legado se conseguir desatar a economia brasileira e liberar seu potencial de crescimento, por enquanto limitado a uns 4% ao ano. É um limite muito estreito para um país com um passivo social tão grande e exposto a uma competição internacional cada vez mais dura. Não se irá muito longe investindo cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB), como nos últimos quatro anos, e ainda será preciso um bom esforço para alcançar os 24% indicados como meta oficial para o médio prazo. Não se trata só de justificar, por prestígio, a manutenção da letra B na sigla Bric. Longe de ser um luxo, a expansão econômica acelerada é uma necessidade para os países desse grupo. O Brasil tem andado fora do ritmo. Agora, o novo plano de logística, a desoneração da folha de salários e a redução da conta de energia elétrica podem ser o início de uma nova política, menos populista, menos retórica e mais voltada que a do governo anterior para o aumento da eficiência geral da economia. Essa nova orientação é por enquanto uma promessa. Mas a ação da presidente pelo menos indica o reconhecimento de problemas importantes e nunca enfrentados nos últimos dez anos.
O próprio governo é um desses problemas. A presidente o reconhece, implicitamente, ao atribuir maior importância ao setor privado para a expansão e a modernização da infraestrutura de transportes. Seu discurso é marcado pelas bravatas de sempre, quando ela critica a ação das concessionárias, cobra maior respeito aos consumidores e anuncia mais controle sobre as prestadoras de serviços ("vamos acabar com monopólios do passado e serviços distorcidos", prometeu). Mas ela sabe, sem admiti-lo, do péssimo desempenho do setor público na elaboração e na execução de projetos. Isso vale para a administração direta e para a indireta.
Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o atraso em quase todos os projetos de adaptação dos portos para a Copa de 2014. Na maior parte, as obras nem haviam começado e em vários casos havia sinais de graves irregularidades. No primeiro semestre, as sete Companhias Docas, empresas mistas, aplicaram apenas 7,5% do orçamento previsto para o ano. Um pacote para o setor portuário, ainda em elaboração, deve ser lançado em breve. A importância do problema ultrapassa amplamente os compromissos assumidos para a realização dos jogos. Os planos do governo incluem a participação do setor privado na administração tanto de portos quanto de aeroportos.
O Ministério dos Transportes, responsável por vários dos maiores projetos do governo federal, foi o ponto inicial da faxina realizada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. Depois da limpeza, seus desembolsos emperraram. Neste ano, até agosto, ficaram R$ 2,5 bilhões abaixo do total aplicado um ano antes, R$ 5,5 bilhões. Aparentemente, é muito mais complicado cuidar dos investimentos em rodovias e ferrovias quando o administrador tem de respeitar certas regras de bom comportamento. No mês passado, 236 ações previstas para este ano continuavam paralisadas no ministério, segundo levantamento divulgado pela organização Contas Abertas.
A administração federal nem sempre foi tão incompetente. Raramente foi flagrada em tantas irregularidades. Além disso, talvez nunca tenha sido tão amplamente loteada e aparelhada para atender a objetivos particulares - pessoais ou partidários - de governantes e de seus aliados. A crônica dos desmandos cometidos no Ministério dos Transportes, desde o governo passado, ainda é conhecida de forma incompleta. Novos detalhes apareceram recentemente em depoimentos prestados à CPI do Cachoeira. Talvez nem todas as novidades sejam total ou parcialmente verdadeiras, mas nenhuma delas destoa das histórias correntes sobre os costumes políticos de Brasília.
Aparelhamento, loteamento de governo e irregularidades no uso de recursos públicos prejudicam tanto a moralidade quanto a eficiência da administração pública. São também problemas econômicos, porque se refletem na produtividade geral do País e comprometem o poder de competição dos produtores nacionais. Quando a presidente lançou seu plano de logística, anunciando concessões e parcerias público-privadas, alguns analistas apontaram uma possível mudança ideológica. Poderiam ter apelado para uma explicação mais simples e provavelmente mais realista: a alternativa seria uma reforma muito mais ampla e politicamente muito mais difícil de toda a máquina federal. Uma faxina mais completa seria apenas parte desse trabalho. Ainda faltaria recriar e difundir os valores de competência e de eficiência existentes, em outros tempos, pelo menos em setores da administração. Mas também para uma associação com o setor privado o governo precisará ser mais competente.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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