A falta de uma "mid-term election" no Brasil, como a que existe
nos Estados Unidos e na Argentina, países em que metade do Congresso é renovado
no meio do mandato presidencial, faz com que a eleição municipal brasileira
seja o termômetro que exista à mão para se medir como anda a consistência
política de presidente e governadores.
É um indicador manco. Não é preciso teorizar muito para explicar que a
escolha do prefeito da imensa maioria das cidades no Brasil não segue a lógica
da disputa nacional e que a soma de situações regionais influencia pouco a
correlação de forças na sucessão presidencial. Só interfere no cenário grande
de modo indireto, à medida em que fortalece ou fragiliza os governos estaduais.
Estreitando o leque da análise, fica mais fácil visualizar os efeitos a longo
prazo da escolha paroquial no domingo retrasado.
O Rio Grande do Norte, Estado onde há tempos imemoriais clãs familiares se
revezam no poder no governo estadual e nos municípios, é um laboratório
interessante não por ser um caso típico, mas pelo oposto: é o único dos 26
estados brasileiros em que PT e PSDB jamais ganharam o governo estadual ou a
prefeitura. Em nenhum lugar do Brasil a lógica é tão local.
Eleição municipal mostra as tendências estaduais
O resultado das eleições no Rio Grande do Norte de 2008 e de 2012 mostra, em
primeiro lugar, que é o governador que organiza e administra as alianças na
base. O natural é que os prefeitos eleitos estejam na órbita do governador,
sejam ou não filiados ao seu partido, em uma razão inversamente proporcional ao
eleitorado de cada município. Quanto mais um município é grotão, mais fiel é ao
governador. A chave para a manutenção do poder está no resultado das cidades
médias e grandes.
Nada mais natural, portanto, que em 2008 a então governadora Wilma de Faria
tenha eleito 38 prefeitos diretamente de seu PSB nos municípios com até 10 mil
habitantes, ante 28 do PMDB e 12 do DEM. A história ficou mais complexa nos
municípios entre 10 mil e 50 mil eleitores.
São cidades que não exercem hegemonia. Seus prefeitos dificilmente se
tornarão governadores, mas são estratégicos para a eleição proporcional. O PMDB
havia conseguido vencer na maior fatia destes municípios no Estado em 2008. Com
a derrota de Wilma em Natal-única que a então governadora havia sofrido na
capital desde 1988-ficou claro que a eleição de 2010 não traria boas novas para
seu grupo. PMDB e DEM são aliados naturais.
Abertas as urnas, Wilma não conseguiu se eleger senadora em uma disputa de
duas vagas. A prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (DEM) tornou-se a
governadora. Nas eleições deste ano, o cenário que se desenhou para Rosalba é
preocupante. O candidato apoiado por Rosalba não foi para o segundo turno em
Natal. E no conjunto dos municípios, o DEM foi superado pelo PMDB nas médias e
nas pequenas cidades.
A governadora se esforçou na reta final do processo eleitoral para ao menos
manter a prefeitura de Mossoró e seu destino dependerá da dupla de primos que
manda no PMDB. A eleição municipal fragilizou Rosalba como havia fragilizado
Wilma e a mesma lógica se aplica a governadores que estão no mundo bipolar entre
PT e PSDB.
Os governadores tucanos Marconi Perillo e Beto Richa, conseguiram um
resultado inexpressivo nas cidades acima de 10 mil eleitores em Goiás e no
Paraná. O catarinense Raimundo Colombo (PSD) levou a capital Florianópolis, mas
no conjunto dos municípios médios e grandes do Estado seu partido não se
firmou, e assim por diante.
É o jogo dos governadores que relativiza o resultado vistoso obtido pelo PSB
do pernambucano Eduardo Campos este ano. A vitória do candidato de seu partido
em Campinas (SP), por exemplo, foi uma notícia alentadora para os planos
eleitorais do governador tucano Geraldo Alckmin, e não para as ambições do neto
de Arraes.
Ao se reeleger em Belo Horizonte, Márcio Lacerda tornou-se uma opção de
aliança a ser testada pelo senador Aécio Neves (MG). Jamais será uma viga de
sustentação para Campos. Até porque o principal vínculo do prefeito da capital
mineira em seu partido é com o ex-governador cearense Ciro Gomes, que converge
pouco com o governador pernambucano.
Chama a atenção que, dos 67 prefeitos tucanos em cidades acima de 50 mil
eleitores, 35 sejam de São Paulo. É um indicativo forte que, sem compor com
perfeição uma aliança com Geraldo Alckmin, Aécio é um candidato inviável para a
presidência da República. Deve ser perturbador para o senador mineiro observar
que PT e PMDB, juntos, elegeram 19 prefeitos mineiros em cidades médias e o
PSDB apenas nove. A dependência de alianças para Aécio manter a base em Minas
será grande.
E o PMDB irá pactuar sua participação na aliança petista em posição de força
análoga a que teve em 2010. A sigla prevaleceu sobre as demais em cidades de 50
mil eleitores para cima em Santa Catarina e no Paraná e em dois Estados onde já
governa, Rio e Maranhão. Quando se leva em conta cidades com mais de 10 mil eleitores,
o PMDB se destaca ainda em Goiás, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e
Rondônia. É um resultado que credencia o partido a receber concessões nestes
Estados.
A trinca formada pelo PT PMDB e PSDB quantitativamente quase empata no
conjunto dos municípios com mais de 50 mil eleitores. Além dos 67 tucanos,
foram 71 petistas e 72 pemedebistas eleitos. É um dado que mostra, ainda que de
forma precária, quais são os três partidos com capilaridade. O PSB é um
fenômeno concentrado em poucos estados e o DEM desapareceu do mundo dos
grandes.
O recém criado PSD tende a consolidar sua vocação de linha auxiliar, com
foco congressual. A sigla não predomina no controle de cidades médias em nenhum
estado, e nem havia sido concebida para isso. Elegeu 199 prefeitos nas cidades
entre 10 e 50 mil habitantes. Demonstração de força do governador da Bahia,
Jaques Wagner (o vice do petista é o comandante da sigla no Estado) e do
governador do Ceará, Cid Gomes (o irmão de Ciro montou o PSD, entregue à gestão
de auxiliares diretos).
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário