quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Um termômetro imperfeito - César Felício

A falta de uma "mid-term election" no Brasil, como a que existe nos Estados Unidos e na Argentina, países em que metade do Congresso é renovado no meio do mandato presidencial, faz com que a eleição municipal brasileira seja o termômetro que exista à mão para se medir como anda a consistência política de presidente e governadores.

É um indicador manco. Não é preciso teorizar muito para explicar que a escolha do prefeito da imensa maioria das cidades no Brasil não segue a lógica da disputa nacional e que a soma de situações regionais influencia pouco a correlação de forças na sucessão presidencial. Só interfere no cenário grande de modo indireto, à medida em que fortalece ou fragiliza os governos estaduais. Estreitando o leque da análise, fica mais fácil visualizar os efeitos a longo prazo da escolha paroquial no domingo retrasado.

O Rio Grande do Norte, Estado onde há tempos imemoriais clãs familiares se revezam no poder no governo estadual e nos municípios, é um laboratório interessante não por ser um caso típico, mas pelo oposto: é o único dos 26 estados brasileiros em que PT e PSDB jamais ganharam o governo estadual ou a prefeitura. Em nenhum lugar do Brasil a lógica é tão local.

Eleição municipal mostra as tendências estaduais

O resultado das eleições no Rio Grande do Norte de 2008 e de 2012 mostra, em primeiro lugar, que é o governador que organiza e administra as alianças na base. O natural é que os prefeitos eleitos estejam na órbita do governador, sejam ou não filiados ao seu partido, em uma razão inversamente proporcional ao eleitorado de cada município. Quanto mais um município é grotão, mais fiel é ao governador. A chave para a manutenção do poder está no resultado das cidades médias e grandes.

Nada mais natural, portanto, que em 2008 a então governadora Wilma de Faria tenha eleito 38 prefeitos diretamente de seu PSB nos municípios com até 10 mil habitantes, ante 28 do PMDB e 12 do DEM. A história ficou mais complexa nos municípios entre 10 mil e 50 mil eleitores.

São cidades que não exercem hegemonia. Seus prefeitos dificilmente se tornarão governadores, mas são estratégicos para a eleição proporcional. O PMDB havia conseguido vencer na maior fatia destes municípios no Estado em 2008. Com a derrota de Wilma em Natal-única que a então governadora havia sofrido na capital desde 1988-ficou claro que a eleição de 2010 não traria boas novas para seu grupo. PMDB e DEM são aliados naturais.

Abertas as urnas, Wilma não conseguiu se eleger senadora em uma disputa de duas vagas. A prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (DEM) tornou-se a governadora. Nas eleições deste ano, o cenário que se desenhou para Rosalba é preocupante. O candidato apoiado por Rosalba não foi para o segundo turno em Natal. E no conjunto dos municípios, o DEM foi superado pelo PMDB nas médias e nas pequenas cidades.

A governadora se esforçou na reta final do processo eleitoral para ao menos manter a prefeitura de Mossoró e seu destino dependerá da dupla de primos que manda no PMDB. A eleição municipal fragilizou Rosalba como havia fragilizado Wilma e a mesma lógica se aplica a governadores que estão no mundo bipolar entre PT e PSDB.

Os governadores tucanos Marconi Perillo e Beto Richa, conseguiram um resultado inexpressivo nas cidades acima de 10 mil eleitores em Goiás e no Paraná. O catarinense Raimundo Colombo (PSD) levou a capital Florianópolis, mas no conjunto dos municípios médios e grandes do Estado seu partido não se firmou, e assim por diante.

É o jogo dos governadores que relativiza o resultado vistoso obtido pelo PSB do pernambucano Eduardo Campos este ano. A vitória do candidato de seu partido em Campinas (SP), por exemplo, foi uma notícia alentadora para os planos eleitorais do governador tucano Geraldo Alckmin, e não para as ambições do neto de Arraes.

Ao se reeleger em Belo Horizonte, Márcio Lacerda tornou-se uma opção de aliança a ser testada pelo senador Aécio Neves (MG). Jamais será uma viga de sustentação para Campos. Até porque o principal vínculo do prefeito da capital mineira em seu partido é com o ex-governador cearense Ciro Gomes, que converge pouco com o governador pernambucano.

Chama a atenção que, dos 67 prefeitos tucanos em cidades acima de 50 mil eleitores, 35 sejam de São Paulo. É um indicativo forte que, sem compor com perfeição uma aliança com Geraldo Alckmin, Aécio é um candidato inviável para a presidência da República. Deve ser perturbador para o senador mineiro observar que PT e PMDB, juntos, elegeram 19 prefeitos mineiros em cidades médias e o PSDB apenas nove. A dependência de alianças para Aécio manter a base em Minas será grande.

E o PMDB irá pactuar sua participação na aliança petista em posição de força análoga a que teve em 2010. A sigla prevaleceu sobre as demais em cidades de 50 mil eleitores para cima em Santa Catarina e no Paraná e em dois Estados onde já governa, Rio e Maranhão. Quando se leva em conta cidades com mais de 10 mil eleitores, o PMDB se destaca ainda em Goiás, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Rondônia. É um resultado que credencia o partido a receber concessões nestes Estados.

A trinca formada pelo PT PMDB e PSDB quantitativamente quase empata no conjunto dos municípios com mais de 50 mil eleitores. Além dos 67 tucanos, foram 71 petistas e 72 pemedebistas eleitos. É um dado que mostra, ainda que de forma precária, quais são os três partidos com capilaridade. O PSB é um fenômeno concentrado em poucos estados e o DEM desapareceu do mundo dos grandes.

O recém criado PSD tende a consolidar sua vocação de linha auxiliar, com foco congressual. A sigla não predomina no controle de cidades médias em nenhum estado, e nem havia sido concebida para isso. Elegeu 199 prefeitos nas cidades entre 10 e 50 mil habitantes. Demonstração de força do governador da Bahia, Jaques Wagner (o vice do petista é o comandante da sigla no Estado) e do governador do Ceará, Cid Gomes (o irmão de Ciro montou o PSD, entregue à gestão de auxiliares diretos).

Fonte: Valor Econômico

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