No que depender do relator Joaquim Barbosa, o publicitário Marcos Valério
não terá penas reduzidas por ser, na definição de seu advogado, Marcelo
Leonardo, um "réu colaborador" no processo do mensalão. De volta da
Alemanha tão assertivo quanto anteriormente, Barbosa bateu-se ontem no plenário
contra os ministros que queriam reduzir a pena de Valério, que já soma cerca de
40 anos.
O advogado do publicitário havia mandado um memorial para os ministros
pedindo que os cinco crimes contra o patrimônio público fossem considerados
como "continuidade delitiva" e não crimes separados. O ministro Marco
Aurélio Mello chegou a ter uma discussão das mais acaloradas com o relator
quando defendia o uso do critério de "continuidade delitiva" para
algumas penas, em lugar do "concurso formal".
Marco Aurélio chegou a dizer que o Supremo Tribunal Federal não pode
estabelecer "critérios de plantão" para fixar a pena dos condenados
no processo do mensalão, por mais graves que sejam seus crimes. A diferença de
critérios é básica para a fixação das penas dos réus.
Pelo "concurso material", quando o mesmo crime é cometido várias
vezes em ações distintas, há uma pena separada para cada crime. Na
"continuidade delitiva", o juiz considera que o mesmo crime foi
praticado diversas vezes de forma continuada. Nesses casos, aplica-se a pena
mais grave, acrescida de um sexto a dois terços.
O relator Joaquim Barbosa considera inaceitável a interpretação que resulta
em penas mais leves nos casos em julgamento do mensalão, pelas suas gravidades.
Por isso, quando Marco Aurélio começou a defender a tese da "continuidade
delitiva" para Marcos Valério, o relator fez um ar que o colega considerou
debochado. Marco Aurélio reagiu: "Cuide das palavras que venha a utilizar
quando eu estiver votando. Não sorria, porque a coisa é muito séria. Nós
estamos no Supremo. O deboche não cabe", disse. E acrescentou: "Não
admito que Vossa Excelência suponha que só haja salafrários neste plenário, e
apenas Vossa Excelência é vestal."
Na defesa de sua tese, Joaquim Barbosa voltou a se confrontar com o revisor
Ricardo Lewandowski, que tentava reduzir a pena de Ramon Hollerbach lendo
declarações sobre a seriedade e probidade do publicitário sócio de Valério.
Barbosa não se conteve e ironizou, dizendo que Lewandowski estava transformando
"criminosos em anjos", para concluir que a postura do ministro
revisor era "inadmissível".
Para se defender de críticas de estar sendo leniente, Lewandowski lembrou
que, pelas suas condenações, o réu Ramon Hollerbach pegaria "mais de 12
anos, uma pena não muito comum na Justiça brasileira". Outra discussão
entre os juízes, em torno do mesmo tema de rigor excessivo das penas, foi sobre
a definição da "pena-base" que vai determinar o tamanho final da
punição.
Joaquim Barbosa chamou a atenção para estudos que indicam uma tendência dos
juízes brasileiros de confundir "pena-base" com "pena
mínima", o que reduz a condenação final. O penalista de São Paulo
Guilherme Nuth, citado pelo relator, considera que, como essa conduta é dominante,
a maioria dos juízes despreza "os riquíssimos elementos para escolher
entre o mínimo e o máximo para cada ação penal, e a pena ideal para cada
réu".
A posição mais rigorosa do relator continua sendo majoritária no plenário do
Supremo Tribunal Federal, embora esteja difícil a definição de critérios
consensuais que possam apressar a definição das penas. Na retomada do
julgamento ontem, os mesmos problemas surgiram, com um desencontro entre o
relator e o revisor, o que tem obrigado a diversas interrupções para debates de
conteúdo das decisões.
A preocupação com a prescrição de algumas penas, como a de lavagem de
dinheiro, era um dos objetivos da aplicação de pena maior por parte do relator
Joaquim Barbosa. A marcha da decisão do STF em relação às penas dos réus do
mensalão indica que este julgamento não terminará tão cedo, e na falta de
critérios objetivos que norteiem as decisões, é previsível que os advogados de
defesa terão muitas razões para apresentar embargos ao seu final, retardando a
execução das penas.
Fonte: O Globo
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