A presidente Dilma Rousseff disse ontem, no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do mensalão, que o combate ao malfeito não pode servir como ataque à ação política. Ela também defendeu a liberdade de expressão, ao afirmar que "é sempre preferível o ruído da imprensa ao silêncio tumular das ditaduras".
Discurso anticorrupção não deve ser usado para atacar a política, diz Dilma
Rafael Moraes Moura
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff abriu oficialmente ontem a 15.ª Conferência Internacional Anticorrupção (IACC), em Brasília, afirmando que o combate à corrupção não deve ser usado para atacar a ação política.
A declaração ocorre na reta final do julgamento do mensalão, no qual a antiga cúpula do PT e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal, e um dia depois de parlamentares de oposição pedirem à Procuradoria-Geral da República investigar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve participação no caso.
"O combate ao malfeito não pode ser usado para atacar a credibilidade da ação política tão importante nas sociedades modernas, complexas e desafiadoras. O discurso anticorrupção não deve se confundir com o discurso antipolítica, ou anti-Estado, que serve a outros interesses", disse Dilma, que já perdeu sete ministros desde que tomou posse, em 2011, por suspeitas de irregularidades.
"(O discurso anticorrupção) Deve, ao contrário, valorizar a política, a esfera pública, a ética, o conflito democrático entre projetos que nela têm de ter lugar. Deve reconhecer o papel do Estado como instrumento importante para o desenvolvimento, a transparência e a participação política", completou a presidente.
Declaração de conteúdo semelhante já foi feita pela ministra do Supremo Cármen Lúcia, durante sessão do julgamento do mensalão anterior à sucessão municipal de outubro. "Não gostaria que a dez dias de uma eleição o jovem brasileiro desacreditasse da política por causa do um erro de um ou de outro", disse a magistrada.
Em outro contexto, a "criminalização da política" também é usada como argumento pelos condenados no julgamento do caso (mais informações no texto abaixo).
Imprensa. Ainda em seu discurso de ontem, a presidente destacou a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Polícia Federal, "um Ministério Público independente" e a imprensa como instrumentos "sólidos" da democracia brasileira.
"Mesmo quando há exageros e nós sabemos que em qualquer área eles existem, é sempre preferível o ruído da imprensa livre ao silêncio tumular das ditaduras. E nós, todo o povo brasileiro, conhecemos na pele o que estamos falando. Vivemos sob ditadura e lutamos e construímos nossa democracia", afirmou Dilma.
A referência ocorre num momento em que o PT põe como uma de suas prioridades de 2013 aprovar projeto de regulamentação da mídia. O plano é visto por críticos como uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa.
Órgãos de controle. "A nossa democracia foi feita também baseada no fato de que a luta anticorrupção é uma luta democrática. O nosso governo oferece amplo respaldo aos órgãos de controle na fiscalização, investigação e na punição da corrupção e de todos os malfeitos", disse Dilma no discurso.
A presidente destacou o Portal da Transparência, a Lei da Ficha Limpa e a Lei de Acesso à Informação como instrumentos de enfrentamento à corrupção e maior transparência.
Segundo a presidente, a prevenção e o combate à corrupção são hoje "práticas de Estado".
Em junho o Estado revelou que para driblar a obrigação de divulgar dados públicos, imposta pela Lei de Acesso à Informação, o governo está reclassificando parte de seus documentos como sigilosos.
A presidente também interveio na Comissão de Ética Pública da Presidência, que decidiu arquivar dois processos que tinham como alvo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.
Outros atores. Ainda na abertura da conferência, a presidente defendeu que o "Estado não é o único foco da transparência", sustentando que "outros setores, outros atores" da sociedade também merecem escrutínio.
"Desde o início da crise econômica e financeira, avolumou-se não só o clamor popular, mas a consciência, inclusive nos fóruns multilaterais, como é o caso do G20 e outros, mas avolumou-se o clamor por mais transparência e mais adequada regulação desses fluxos financeiros internacionais", afirmou a presidente. "Sem o devido controle desses fluxos, estamos sujeitos a toda sorte de manipulação", completou Dilma.
A conferência anticorrupção reúne cerca de 1,5 mil pessoas de 130 países e vai até sábado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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