O ano legislativo começa nesta sexta-feira e abre o caminho para a presidente Dilma Rousseff fazer um rearranjo em sua coalizão no Congresso. Dilma deve promover uma minirreforma ministerial e agregar à sua coalizão o novato PSD. Em clima antecipado de campanha pela reeleição, a presidente não quer correr riscos e amarra os pessedistas à sua base. O provável nome é o de Guilherme Afif Domingos, numa escolha que parece carregar o que o jargão das páginas policiais costumava chamar de "requinte de crueldade". Afif é um medalhão dos setores ideologicamente contrários ao PT e vice-governador do principal Estado, São Paulo, comandado pelo maior partido de oposição, o PSDB. Deve ocupar a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com status de ministério, cuja criação está sendo apressada.
A relevância da Pasta ainda é uma incógnita. É verdade que Dilma há tempos a planeja. Mas, com a demora, é de se imaginar que não saiu do papel pela simples falta de conveniência política. Há dois anos, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-PE) chegou a esnobar a sondagem para comandar a nova repartição. Preferiu ficar no Legislativo.
O pouco caso do senador pernambucano em tomar conta de um quinhão ministerial contrasta com a ideia de que todos os políticos, ou a maioria deles, valorizam mais o Executivo do que o Legislativo. Ou que o Congresso tem uma função quase irrelevante e viveria a reboque da burocracia liderada pela Presidência. Pelo menos dois estudos recentes, um deles ainda em andamento, jogam luz sobre as relações bem mais complexas entre o Executivo e o Legislativo.
Partido presidencial concentra agenda do Executivo
Num artigo ainda inédito, elaborado com a pesquisadora Sylvia Gaylord, da Colorado School of Mines, o cientista político Lúcio Rennó, da UnB, analisa toda a produção legislativa que teve origem no Executivo durante os oito anos de mandato do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e os oito de seu sucessor, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. São exatamente 4.218 iniciativas como projetos de lei ordinária e medidas provisórias.
Os resultados mostram a alta taxa de projetos assinados pelos ministros dos partidos do presidente. Os titulares do PSDB foram autores de 28% dos projetos do Executivo, enquanto os do PT foram responsáveis por 36%. A soma chega a quase dois terços das propostas. Se acrescentada a autoria dos ministros técnicos (11%) e do PMDB (8%), presentes em ambos os governos, estes quatro atores responderam por 83% do que o Executivo enviou ao Congresso.
"Não há uma agenda compartilhada. A maioria dos partidos da coalizão não participa da formulação das propostas. E, aí, ou eles vão querer revisar no Congresso ou acabam exigindo ganhos e trocas, como cargos e orçamento", afirma Rennó.
Para o pesquisador, o problema para a atual coalizão é que a presidente "Dilma é mais durona. Não quer esta troca, dificulta a liberação de emendas e o gerenciamento da coalizão é mais difícil". Uma base desarrumada, indisciplinada, seria o reflexo deste estado de coisas. Em 2012, o Executivo alcançou o menor percentual (63,4%) de apoio a seus projetos na Câmara em dez anos.
A solução, no entanto, não se daria com a mera ampliação da nau dos aliados. Com a entrada do PSD no ministério, Dilma terá a maior base de apoio desde 1988, com 70% da Câmara. Rennó afirma que uma coalizão tão grande é desnecessária e se torna custosa. Até porque a agenda legislativa do PT, há dez anos no poder, estaria naturalmente se esgotando e hoje, mais do que propor nova legislação, o importante seria zelar pela qualidade dos projetos em andamento. "Encontrar o tamanho ideal da base não é fácil. Estou trabalhando nisso. Não precisa ter 65%. É gordura que custa. [O governo] Fica pesado. Estimo que seria algo em torno de 53% a 58%", diz.
Uma das conclusões preliminares de Rennó é que, com a concentração de propostas do Executivo nos ministros dos partidos do presidente, o sistema brasileiro teria mais semelhanças com o presidencialismo puro, americano, do que com os sistemas parlamentaristas e também multipartidários, onde a tendência é o maior compartilhamento da agenda.
A percepção leva em conta a origem das propostas. O desdobramento seria investigar como elas são tratadas no Congresso. É o que pesquisa a cientista política do Cebrap, Andréa Freitas, para sua tese de doutorado. Andréa ressalta a elevada modificação dos projetos oriundos do Executivo no mesmo período FHC e Lula. Seu recorte são as propostas que envolveram um maior grau de conflito e receberam veto parcial ou total do presidente. A taxa de contribuição média do Executivo é de 45%. Ou seja, o Congresso revisou a maior parte do conteúdo original. E, aí, os partidos da base que estiveram fora da formulação, como DEM, PP, PR, ganham importância.
"Ainda não temos a dimensão dos benefícios do nosso sistema de coalizão, que também existe na maioria dos países. É muito mais difícil fazer uma má política com tanta revisão do que se o partido do presidente tivesse a maioria no Congresso. Cria-se uma rede de fiscalização que pode estar facilitando até o movimento por transparência e o combate à corrupção", defende Andréa.
Fonte: Valor Econômico
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