Coincidência ou não, vale o simbolismo: o governo federal escolheu dois 7 de Setembro (2009 e 2012), dias de nossa Independência, para anunciar mudanças importantes nos regimes de concessão nas áreas de petróleo e energia elétrica.
No caso do petróleo, como notei em artigo anterior, "deixemos de lado uma pergunta fundamental: era mesmo preciso mudar totalmente a Lei do Petróleo de 1997 apenas para aumentar a fatia do governo no pré-sal?". (Algo que o regime de concessões, adaptado, já permitiria, dizem especialistas, por meio de aumento da "participação especial" para os novos campos.) Mas a questão relevante, após a controvertida decisão da mudança de regime, passou a ser a viabilização dos investimentos para a empreitada, principalmente com a Petrobrás tendo de assumir a posição de operadora, com pelo menos 30% de todos os campos do pré-sal a serem explorados.
Opiniões à parte, são fatos que a mudança de regime atrasou o processo, que há quatro anos não há licitações de nenhuma área e que a Petrobrás, como notou Adriano Pires, é a única grande empresa do mundo que, apesar do petróleo a mais de US$ 100 o barril, perde dinheiro quando vende gasolina (cujo consumo aumentou 60% de 2008 a 2012), porque paga mais caro pela gasolina que importa do que recebe pela gasolina que vende, já que seus preços estão controlados por decisão do acionista majoritário. E isso certamente afetou a sua capacidade de investimento. Investimentos que passariam de US$ 174 bilhões (2009-2013) para US$ 225 bilhões (2010-2014 e 2011-2015) para U$ 236 bilhões (2012-2016). Haja Tesouro.
No dia 7 de setembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff anunciou mudanças na legislação sobre o setor elétrico. O governo federal tem o direito, estabelecido em lei, de renovar ou não as concessões de geradoras de energia quando os seus contratos terminarem. Era sabido que vários contratos de concessão importantes expiravam em 2015-2017. O governo, buscando o objetivo meritório de reduzir o custo de energia, decidiu propor a renovação antecipada (para 2013) das concessões às empresas de geração e de transmissão que aceitassem reduzir desde logo (2013) as tarifas aos níveis desejados pelo próprio governo.
De novo a questão fundamental, como no caso do petróleo, é: as novas regras contribuirão ou não para aumentar o grau de confiança dos investidores no setor de geração de energia? Em particular, e para usar outras palavras, as novas tarifas (20% mais baixas), tal como estabelecido, permitem às empresas cobrir os seus custos de operação e manutenção - além de efetivar os investimentos necessários à expansão de seus negócios? Há quem diga que sim. Há quem diga que o governo federal terá, cedo ou tarde, de capitalizar as geradoras da Eletrobrás, que seguiu a orientação de seus acionistas controladores de reduzir em mais de 20% a sua receita. E há novos riscos. Haja Tesouro...
Os casos do petróleo e da energia elétrica não são isolados. Problemas assemelhados existem em outras áreas, como portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, trens-bala, saneamento, abastecimento de água. O papel do Estado e o do setor privado continuam sendo tema de infindável controvérsia na própria sociedade e, certamente, no âmbito do próprio governo, no qual convivem diferentes posições sobre o tema. Que contribuem, talvez, para confirmar o chiste de Luís da Câmara Cascudo: "O Brasil não tem problemas, apenas soluções adiadas".
Em momentos como este, é fundamental um esforço para melhorar a qualidade do debate público. Apenas quatro observações a esse respeito.
Primeiro, não deveria existir uma política macroeconômica de esquerda, progressista e desenvolvimentista, à qual se contraporia uma política macroeconômica de direita, monetarista, conservadora e "neoliberal". Na verdade, em cada contexto há um espectro de políticas macro mais ou menos adequadas do ponto de vista de sua consistência intertemporal. E um legítimo debate profissional sobre o grau de responsabilidade, de coerência e de credibilidade de uma dada política.
Segundo, não deveria existir, a meu juízo, quando se está discutindo, de boa-fé, na prática, a eficácia de uma política pública específica numa área definida, seja educação, saúde ou segurança, uma posição de esquerda, ou progressista, ou desenvolvimentista em oposição maniqueísta a uma outra posição de direita, ou fiscalista, ou "neoliberal".
Terceiro, há claros limites para a expansão acelerada dos gastos governamentais, ainda quando justificáveis como fundamentais para reduzir injustiças sociais e mitigar efeitos cíclicos de crises econômicas. Como escreveu Luiz Felipe de Alencastro, "a ideia de que se pode alcançar a justiça social às custas das ações do Estado chegou ao limite. É preciso buscar novos caminhos e mobilizar a sociedade em um ambiente onde também atuem mecanismos de mercado".
Quarto, é desonestidade intelectual, além de falta de ética no debate público, imputar a indivíduos, e a supostas escolas de pensamento a que pertenceriam, o descaso com o desenvolvimento econômico e a inclusão social, porque essa "preocupação" teria sido já apropriada e transformada em monopólio de autointitulados "social-desenvolvimentistas". Vimos, recentemente, a tentativa de um partido de se apropriar do monopólio da ética na política. Deu no que deu. O enfrentamento dos difíceis desafios à frente seria mais efetivo se pudéssemos perder menos tempo, talento e energia com falsos dilemas, dicotomias simplórias, diálogos de surdos, pregações dirigidas aos já convertidos e rotulagens destituídas de sentido, exceto para militantes ansiosos por palavras de ordem.
O Brasil merece algo melhor em termos de qualidade de debate público. E acho que, apesar das tentativas em contrário, estamos avançando.
Pedro S. Malan, economista, foi Ministro, da Fazenda no governo, Fernando Henrique Cardoso
Fonte: O Estado de S. Paulo
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