Ao completar uma década no poder, o PT não aproveitou o bom momento inicial para fazer reformas estruturais, que agora travam o crescimento. E vem abandonando o tripé que estabilizou a economia (metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), alertam economistas
PT vive dilema para se renovar e cumprir plano de 20 anos de poder
Líderes defendem gestão, mas reconhecem que partido falhou na forma de fazer política
Catarina Alencastro, Luiza Damé e Júnia Gama
BRASÍLIA - Abalado por escândalos de corrupção e pela execração pública de seus principais líderes, até mesmo do ex-presidente Lula, o comando do PT está numa encruzilhada para permitir uma ampla renovação de quadros, capaz de levar adiante o projeto traçado há uma década para que a legenda permanecesse 20 anos no poder.
O julgamento do mensalão abalou a autoconfiança do PT. Apesar de destacarem sempre a diminuição da pobreza e da desigualdade como marcos da gestão petista, no campo político, alguns de seus principais dirigentes fazem um balanço ligeiramente envergonhado do período. O partido, que chegou ao Planalto com o discurso da ética, fez alianças heterodoxas, com políticos como José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL), e adotou práticas como o "toma lá da cá" com aliados.
- Nestes dez anos de governo, acho que a gente surpreendeu na gestão positivamente, e na política no sentido contrário. Todo mundo apostava que o PT seria muito bom na política e tinha o pé atrás com relação à gestão. E o PT fez uma gestão muito eficiente na economia, com inclusão social e colocou o Brasil como referência de país que cresce incluindo. Por outro lado, nossos maiores problemas foram na política, onde todos achavam que o PT seria infalível - avalia o senador Jorge Viana (PT-AC).
O desafio imediato do PT será debater internamente sobre como reagir às condenações de importantes figuras do partido no julgamento do mensalão. Líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirma que, apesar de a maioria no partido respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), é preciso enfrentar o debate e, paralelamente, encontrar uma agenda propositiva.
- Há uma disputa política em torno ao mensalão, de que o PT não tem como fugir. Há aqueles que consideram que houve um desgaste no partido, que as condenações já estavam previstas, mas outra coisa é transformar esse assunto em pauta única. Isso acho que seria um erro - diz Chinaglia.
Haddad pregou mudança
Para Chinaglia, o PT não precisa renovar integralmente seus quadros ou renegar o passado:
- Você acha que a vitória de figuras importantes, inclusive a de Haddad em São Paulo, se deu sem o apoio de figuras históricas? Basta ver o caso do Lula. Nem o velho significa ter envolvimento com qualquer coisa, nem o novo é garantia de qualidade. Tem carro zero que não funciona - afirma.
Mas o próprio Haddad disse recentemente, antes de assumir a prefeitura de São Paulo, que os partidos, incluindo o PT, estão na hora de trocar dirigentes:
- Há uma questão geracional no país, uma mudança de comando, que aconteceu antes no Nordeste e vai acontecer em todos os lugares. Essa geração que cumpriu o papel de redemocratizar o país está passando o comando para uma nova geração. E isso está ocorrendo naturalmente - disse Haddad, frisando que o julgamento do mensalão deve ser acatado pelo PT.
Único remanescente no governo do grupo que comandou toda a campanha de Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz que o governo falhou na relação com o Congresso ao não levar adiante a reforma política. Para Cardozo, o sistema político-partidário brasileiro é retrógrado e prejudicial à sociedade. Para ele, nem o julgamento do mensalão atrapalha o projeto de poder do PT, uma vez que o eleitor entende que o caso envolveu petistas e não o partido, como apontariam pesquisas.
- O PT ficou refém do status quo, a única alternativa (que teve) foi reproduzir o modelo do PSDB e pagou um preço altíssimo, que foi o mensalão - completa Jorge Viana.
Fonte: O Globo
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