O primeiro governo Lula – combinando pragmaticamente a retórica terceiro-mundista com a continuidade dos fundamentos macroeconômicos herdados de FHC através da dupla Antonio Palocci/Henrique Meirelles e com a capitalização disso junto aos mercados interno e externo – começou a promover ampla reorientação das posturas do Itamaraty, conduzida por uma segunda dupla com metas contrapostas às da outra – o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e seu principal operador e conselheiro, Samuel Pinheiro Guimarães. O passo inicial da mudança foi a formalização do bloqueio à Alca, adotada em parceria com a Argentina na rejeição do Mercosul ao acordo comercial com os EUA, que terminou se limitando ao acerto com o México.
A reorientação consolidou-se com a nova prioridade do relacionamento Sul-Sul (do emergente Brasil com os países pobres sobretudo da África, e com governos “independentes do imperialismo”, como os do Irã, da Líbia, da Síria. E as justificativas econômicas desse relacionamento (a abertura de seus mercados para exportações brasileiras) casaram-se com as do projeto diplomático que se tornou prioritário: a candidatura de Lula à secretaria geral da ONU. Sonho acalentado até evidenciar-se como inviável, entre outros fatores pelo crescente predomínio dos interesses da China na África. No plano regional, ela tratou de estabelecer “relações especiais” entre Lula e Hugo Cháves. Desencadeando um processo de ideologização do Mercosul, que culminou o ano passado na suspensão do Paraguai e na formalização da entrada da Venezuela.
No governo da sucessora Dilma Rousseff – de par com o descarte do projeto Lula na ONU e com um correto distanciamento em relação ao iraniano Ahmadinejad (determinado pela própria presidente) – houve uma redução do peso do Itamaraty na política externa e nas preocupações do Planalto, em face da troca da centralidade da estratégia Sul-Sul pela retomada do protecionismo (dominante na última fase do regime militar) como instrumento de política econômica para a defesa do mercado interno. Mas uma troca que exclui as relações com o Mercosul e os governos de outros países da América Latina (numa área do Itamaraty em que o ministro Antonio Patriota tem papel menor que o do “assessor especial” Marco Aurélio Garcia, quadro petista da confiança pessoal de Lula). E na qual o protecionismo é usado como nova/velha ferramenta contra a globalização, mantendo o Brasil à margem de acordos comerciais importantes.
Abertura da coluna de Míriam Leitão, em O Globo, da última sexta-feira, intitulada “O mundo se move”: “O anúncio do presidente Barack Obama de fazer um a aliança transatlântica com a Europa e fechar um acordo transpacífico com os países da Ásia (junto com México, Colômbia, Peru e Chile) deveria acender a luz vermelha no nosso comércio exterior. O Brasil está no caminho contrário, de aumentar as barreiras ao comércio e se isolar”.
Infraestrutura. O Brasil e a Bolívia
Aqui, o governo federal enfrenta agressivas resistências sindicais a projeto de melhoria do sistema portuário (ineficiente e caríssimo pelo corporativismo dominante na gestão dos terminais públicos e no uso restritivo dos privados). E anuncia a extensão a novas concessões ferroviárias de mudanças já adotadas no setor rodoviário e no preparo de novos leilões de aeroportos, todas voltadas à atração de investidores privados. Assim, o Palácio do Planalto reconhece a carência de recursos estatais, bem como a precariedade da gestão governamental, diante do desafio de remoção dos gargalos de nossa infraestrutura. E deixa de lado, ou à margem – pelo menos nessa área – a velha retórica petista contra privatizações. Simultaneamente – dividindo espaço nos jornais com as boas notícias, do gênero, no Brasil -, o presidente da Bolívia, Evo Morales, decretou anteontem a expropriação das empresas Abertis e Aena, responsáveis pela administração dos aeroportos de La Paz, Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba. Os três maiores terminais aeroportuários do país vizinho passarão a ser controlados pelo Ministério de Obras Públicas. Trata-se da sexta expropriação de empresas espanholas com operações na Bolívia, de um ano para cá.
Jarbas de Holanda é jornalista
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