Ao contrário do mercado, economista acredita que o BC não vai elevar a Selic para combater a inflação
Daniela Amorim
RIO - A recente valorização do real em relação ao dólar não contribui para conter a inflação e ainda confunde as expectativas sobre o câmbio, dificultando a formação de preços. Essa é a opinião de José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e fundador da consultoria MB Associados.
Em entrevista à Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, ele refutou a aposta de aumento da taxa básica de juros nas próximas reuniões do Copom, como apontavam ontem os movimentos de alta nos contratos futuros de juros.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que os alimentos continuam pressionando a inflação ao consumidor apesar da queda de preços agropecuários?
São quedas relativamente recentes, e as reduções no atacado demoram a chegar no IPCA, às vezes mais de um mês, mas acabam chegando. Cai o preço de soja, mas até virar lata de óleo no varejo demora um bocado. A matéria-prima bruta é só uma fração dos custos do alimento final. É razoável supor que a pressão dos custos com alimentação vai aliviar um poucos nos próximos meses.
Por que os preços não cedem, apesar de incentivos do governo, como o da tarifa de energia?
No caso da energia, para o consumidor virá agora, no IPCA de fevereiro; na taxa de janeiro houve só uma pequena parte da queda. No caso da indústria, o repasse é lento e deve demorar a aparecer. Mas isso é apenas um item. No plano do consumidor, todo o setor de serviços está sendo pressionado. Isso não vai aliviar. O índice de difusão no IPCA de janeiro atingiu 75%, quer dizer que a cada quatro grupos de preços diferentes, três subiram. As estimativas de inflação para fevereiro e março são melhores que em janeiro, mas ainda na faixa de 0,4%. Nossa projeção do IPCA para fevereiro está em 0,31%. É um número relativamente baixo, mas ainda assim a inflação em 12 meses vai ficar subindo até o fim do primeiro semestre. Vamos passar o teto da meta. O governo sabe que isso vai acontecer e já está conformado. Projetamos estourar o teto de maio para junho, depois cai um pouquinho e termina o ano em 6%, que ainda assim é um resultado alto.
As declarações do ministro Guido Mantega, em Moscou, fizeram os contratos futuros de juros subir. É possível uma alta de juros antes do previsto?
De dezembro para cá, muito pelo que fizeram as autoridades econômicas, criou-se uma enorme dúvida sobre o que o BC vai usar: deixar valorizar o real de novo para segurar a inflação ou voltar a aumentar os juros? Até esse momento, a aparência era de que seria a primeira opção. O ministro Mantega tem manifestado a ideia de que não se deve valorizar muito o real e a declaração de hoje (ontem) é nesse contexto. Se for preciso fazer algo mais enfático em relação à inflação, que seja o juro e não deixar o câmbio ir abaixo de R$ 1,90. Nossa impressão é que, na realidade, se a inflação azedar e encorpar muito nos próximos meses, o Banco Central até pode aumentar juros, mas não acho que vai ser tão já. O BC deve protelar ao máximo na expectativa de que vai haver algum alívio no primeiro semestre na questão agrícola.
Mas só deixar desvalorizar de R$ 2,14 para R$ 1,95 já faz uma diferença na inflação?
Eu acho que tem pouco efeito na inflação, tem mais um efeito ruim nas expectativas. Antes de R$ 2,14, estava em R$ 2,05. Subiu e depois caiu, o que acho ruim. É uma volatilidade que não ajuda a ninguém, dá insegurança a agentes e analistas, que ficam em dúvida de para onde vai o câmbio. O repasse nunca é imediato por causa disso. Esses movimentos no câmbio mais atrapalham que ajudam. É preciso uma certa estabilidade em relação a essas variáveis, e não essa oscilação violenta.
Qual é a perspectiva para a inflação em 2013?
Trabalhamos com inflação de 6%. Não estamos otimistas porque a inflação não depende só de uma coisa. Quando 75% dos diferentes tipos de preços aumentam, é porque ela está mais generalizada do que parece. Isso é um problema.
Há algo que o governo possa fazer ou essas intervenções acabam só postergando novos picos na inflação?
Essas intervenções só postergam. Veja a gasolina e o diesel: o governo segurou, atrapalhou as contas da Petrobrás e o seu desempenho, mas uma hora teve que dar. E foi pouco, ainda tem que fazer mais se formos olhar o fluxo de caixa da Petrobrás e o que ela precisa investir. O postergar não ajuda. Uma vez, uma coisa pontual, tudo bem. Mas isso com regularidade não ajuda em nada.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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