sábado, 18 de maio de 2013

As esquerdas no Brasil dos dias de hoje -- Raimundo Santos

Acaba ser publicado pelas editoras Contraponto e Fundação A. Pereira (DF) o livro O que é ser esquerda hoje? O volume traz um considerável número de textos assinados por autores de variadas orientações. Raimundo Santos é um deles. Reproduzimos abaixo trechos do seu artigo divulgados pelo jornal Rural Semanal (UFRRJ).

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À hora do fim do comunismo histórico, no momento dos ajustes estruturais exigidos pela globalização às economias nacionais, nossas novas esquerdas, o PT e outros grupos militantes, não assumiram função de partido político. Nos anos dos governos da coligação PSDB-PFL tanto deixaram a Fernando Henrique Cardoso a direção do processo modernizador que aqui chegava, como passaram a condenar o próprio fenômeno globalista, vendo-o apenas como fonte de desgraças. Insularam-se no movimentalismo social recusando-se a influir no curso dos ajustes modernizadores. Por meio da política, estava aberta a possibilidade de interferir no processo brasileiro mediante convergência de forças políticas igualmente decididas a valorizar o globalismo. Recorde-se um exemplo deste tipo de percepção e ação construtivas. Um pouco antes, assinado por Itamar Franco, quando à frente de um governo de concentração democrática, o Plano Real ensejara o controle da inflação e mudanças correlatas, tornando-se, depois, um empreendimento que, consolidado, converter-se-ia em um valor nacional.
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Na nova circunstância iniciada por um novíssimo governo, pois liderado por um presidente operário, as novas esquerdas, o PT situado no poder central e os grupos militantes à sua volta, viram-se, pela primeira vez ante a questão de como gerir o capitalismo. Estranho ao repertório do PT, o tema havia sido bastante equacionado pelo PCB, como se pode ver nos documentos desse partido e em registros de vários intelectuais seus. Aliás, entendido como ambiente de acúmulo de cultura política, o campo pecebista trazia ao período de Fernando Henrique, e traz a nosso tempo de governos petistas, duas balizas nada desimportantes.

A primeira vem de muito longe: provém de Caio Prado, o clássico comunista que, desde pelo menos a redemocratização do pós-guerra, concebia a “revolução brasileira” como um processo de reestruturação do nosso capitalismo, cujas insuficiências, como tanto insistiu, eram a fraqueza produtiva da economia nacional e sua pouca capacidade de generalizar os benefícios da modernidade tanto social como territorialmente. A segunda baliza, radicada na teoria gramsciana da revolução passiva, pode ser assim sumariada: sendo “inevitável” – ou seja, sendo conservadoras e poderosíssimas suas forças hegemônicas –, o curso da modernização capitalista “pelo alto” (nos contextos de 1930, do pós-1964 e ainda em anos mais recentes), à esquerda reformista, no caso a da circunstância do último tempo, caberia estimular a união de amplas forças com vistas a configurar, ou influir em um governo que não só minorasse os efeitos negativos da globalização como alargasse a incorporação social com sustentabilidade, pois suportado em novo ciclo de crescimento, sob o marco programático da Constituição de 1988. Com perfil e ação autônomos, conquanto compromissada com a progressiva democratização politica e social do país, essa esquerda não possuia força para se opor em bloco aos ajustes modernizadores, mas isso não significava que teria que se submeter aos seus termos “neoliberais”.
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Quando conservam o modelo anterior, os governos do PT vivem cenário já diverso: estão diante de um mundo econômico governado por uma mundialização que não só continua a expor nosso padrão excludente de modernização como vem acentuando traços de fragmentação social cada vez mais em crescendo (criminalidade, corrosão social, apartheids, informalidade etc.).
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As esquerdas militantes da Era Lula acomodaram-se às políticas sociais introduzidas no padrão de incorporação seletiva do governo anterior, politicas sociais apontadas pela bibliografia como elemento estratégico de projeto de poder. Elas tangenciavam a reflexão sobre o tempo dos governos de Fernando Henrique Cardoso, em particular sobre o dinamismo que poderia ter sido movimentado com mais rigor para diminuir os efeitos negativos do modelo dos anos 1990: o dinamismo da democracia, do Estado democrático de direito e da política.

A peculiaridade da nova circunstância não são apenas as políticas sociais, mas também os apelos popularistas,{1}  verbalizados por Luiz Inacio Lula da Silva. Cada vez mais eficazes no nosso imaginário nacional, eles também cumprem função corrosiva em instituições importantes (Congresso, partidos, associativismo).
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Fonte: As esquerdas no Brasil dos nossos dias, texto extraído do artigo "O sentido da esquerda na atual circunstância" (originariamente escrito em 2009), in Rural Semanal, Seropédica, 13 a 19 de maio de 2013.
 
{1}Termo usado por Gramsci em O Risorgimento para se referir a um movimento de atração de um ator em disputa hegemoônica. No caso, aludia ao movimento popularista do Papado no começo dos anos 1920, visando neutralizar o modernismo como tendência reformadora da Igreja e da religião católica.

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