As adversidades na economia e na política vão tornando a candidatura da presidente Dilma à reeleição cada vez mais dependente de sua própria popularidade
Ontem foi um dia de realidades adversas para a presidente Dilma Rousseff e seu governo. Na economia, a repercussão frustrante de um crescimento inferior ao esperado no primeiro trimestre. Mais uma vez, o ministro da Fazenda teve que rebaixar suas previsões para o ano, seguindo o que já fizera o mercado. Na política, finalmente começaram todos a colocar um dedo numa ferida que vem sendo tratada com subterfúgios, a crise de compromisso da base parlamentar. Paradoxalmente, a presidente que enfrenta esses problemas mantém o mais índice de popularidade da era democrática, segundo as últimas pesquisas a respeito.
Deixemos a economia para os especialistas — que, por conta do “pibinho” e apesar da inflação de alimentos, apostavam ontem em alta mínima dos juros — e fiquemos na política. Por algum tempo, o Planalto fingiu desconhecer os problemas em sua base de sustentação parlamentar. Por alguns dias, foi mais cômodo apontar o líder do PMDB, Eduardo Cunha, como bruxo da vez. Se criou problemas, foi graças ao problema maior existente. As cúpulas do PT e do PMDB usaram os analgésicos que puderam, esperando uma resposta do governo. Como ela não veio, e a febre continuou subindo, nas últimas horas começaram todos a colocar o dedo na ferida: ou Dilma muda de atitude em relação à coalizão, ou terá problemas pela frente. Já está tendo.
O problema aflorou no jantar de segunda-feira à noite, entre os senadores petistas e o presidente do PT, Rui Falcão, foi objeto de uma reunião, anteontem, entre líderes governistas e ministros palacianos, e ontem foi escancarado por declarações do líder petista na Câmara, José Guimarães, e pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, direitíssimo ao ponto. “Não adianta tapar o sol com a peneira. Algo não vai bem na base governista.”
Se, na segunda-feira à noite, dos 423 deputados que teoricamente integram a base, pelo menos 257 (metade da casa mais um) tivessem comparecido à sessão noturna, teriam sido aprovadas em tempo hábil as medidas provisórias 601 e 605. Mas só havia 210 deputados em plenário, parte deles, da oposição, que aproveitou para obstruir. Às 22h, Alves encerrou a sessão. Os governistas não iriam chegar para votar. Deixaram para pegar o avião para Brasília no dia seguinte. O nome disso é descompromisso. As MPs foram votadas no dia seguinte pela manhã, mas deixando menos de sete dias de prazo para a apreciação do Senado. E como Renan Calheiros havia se comprometido com seus pares, ao votar a MP dos Portos faltando quatros horas para a perda de validade, que não colocaria novas propostas em votação com prazo de tramitação inferior a sete dias, teve que honrar a palavra, impondo um grande prejuízo ao governo. Uma das medidas trata da redução da tarifa de energia. Outra da desoneração de encargos trabalhistas para alguns setores empresariais. Vai-se dar um jeito de salvar as matérias enfiando-as como emendas em outras MPs. É analgésico, mas não é remédio.
Que problemas são esses na base? São difusos, mas podem ser resumidos com a palavra insatisfação. A interlocutora oficial, a ministra Ideli Salvatti, nunca foi devidamente empoderada por Dilma para negociar com o Congresso. Quem ocupa o postos precisa ter autonomia para firmar acordos, e tais acordos precisam ser honrados. Os deputados sentem-se como meros apertadores de botão e os líderes como mandaletes do Planalto. Há demandas não atendidas, seja na liberação de emendas ou no preenchimento de cargos, mas, quando o ânimo subjetivo é bom, problemas desse tipo vão sendo resolvidos sem gerar crise. Eles decorrem, em grande parte, da personalidade altaneira da presidente, de sua falta de familiaridade com o funcionamento do Congresso e seu centralismo, que pode ser benéfico à gestão (num país onde a burocracia impõe o passo de cágado), mas é nocivo à política. Foram agravadas pelas disputas eleitorais antecipadas nos estados, entre o PT e PMDB. Nessas circunstâncias adversas, na política e na economia, a candidatura de Dilma à reeleição passa a depender, cada vez mais, de sua própria popularidade.
Sem cerimônia
Os senadores petistas e o presidente do partido, Rui Falcão, no jantar em que avaliaram a conjuntura, concluíram que o governador Eduardo Campos reduziu sua movimentação pública, mas acelerou as articulações nos bastidores, perdendo completamente a cerimônia ao investir sobre bases do PT e dos partidos aliados. O movimento mais ousado foi no Ceará: segundo senadores do PT, ele convidou a ex-prefeita petista de Fortaleza Luizianne Lins a ingressar no PSB e para concorrer ao governo. Com isso, sinalizou que espera ou conta com a saída dos irmãos Cid e Ciro Gomes do PSB. Anteontem, ele teve um encontro com Ciro Gomes em Recife, sobre o qual nada declararam, por ora. Ciro e seu irmão, o governador Cid, como é sabido, preferem apoiar Dilma. E não perdoam Campos por ter impedido a candidatura presidencial de Ciro em 2010, forçando o apoio a Dilma com o argumento de que o ciclo de poder do PT ainda não havia se esgotado.
Campos poderia dizer, porém, que o PT abriu fogo primeiro, ao barrar adesões ao PSB, como fez em Goiás, desviando para o PMDB a filiação do empresário José Batista Júnior, o “Júnior da Friboi”. Mas é certo que, entre os dois partidos, acabou-se a cerimônia e deve começar a guerrilha. Os petistas estão cercando os governadores do PSB. Camilo Capiberibe (AP) externou preferência por Dilma, e Renato Casagrande (ES) tem dito que pode não apoiar ninguém para presidente, ao disputar a reeleição. “Eduardo não terá a unanimidade no PSB, mas posso garantir que terá o apoio de uma significativa maioria”, diz o senador Rodrigo Rollemberg (DF), um de seus articuladores no Congresso.
Fonte: Correio Braziliense
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