A desarticulação da base aliada
Presidente da Câmara afirma que o Planalto peca na relação política e reconhece problemas do Executivo no trato com governistas
Paulo de Tarso Lyra, Juliana Colares
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), expôs ontem o crônico problema na articulação política do governo com o Congresso. Um dia depois de o Planalto ser derrotado com a não votação da MP 605/2012 no Senado, que define recursos para garantir a redução da conta de luz elétrica — o que obrigou o governo a fazer um “contrabando” na MP 609/2013 (veja a página 3) —, Alves disse que existem problemas na relação entre o Executivo e o Legislativo. “Não estou aqui para tapar o sol com a peneira, mas precisamos saber por que a base tem 421 deputados e não conseguiu colocar 257 para uma votação importante na segunda à noite”, declarou. O texto só foi aprovado na terça.
O discurso de Alves reforça o momento de tensão vivido com o PMDB, que, comandando as duas Casas do Congresso, passou a ditar o ritmo de votações do parlamento. Há duas semanas, a MP dos Portos só foi aprovada após um esforço atípico. Depois de dois dias seguidos e 41 horas de discussão na Câmara, o Senado aprovou a matéria a toque de caixa, no mesmo dia. “Precisamos tirar lições do que houve para não passar de novo por isso, que foi um vexame”, classificou o presidente da Câmara. “Não adianta dizer que está tudo bem, porque não está. Tem problema em algum lugar”, resumiu Alves.
O peemedebista lembra que, pelo fato de esta ser uma semana com o feriado de Corpus Christi, deveria ter aumentado a responsabilidade do governo em mobilizar os parlamentares aliados. “Mais razões para trabalhar na segunda, na terça e na quarta. Devem procurar as razões, isso não cabe a mim, cabe aos líderes partidários. A presidente Dilma Rousseff tem sido correta com o parlamento, e temos que responder votando”, declarou.
Na base, sobram críticas à dificuldade de articulação do governo com o Congresso. Na leitura de parlamentares do PMDB, o Palácio do Planalto foi o responsável pelo mal-estar gerado na última terça-feira, quando o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL) — que havia prometido que o Senado não votaria medidas provisórias com menos de sete dias para o fim da validade —, recusou-se a colocar em votação as MPs da energia elétrica e da desoneração da folha de pagamento de setores da construção civil e do varejo.
Peemedebistas avaliaram que o governo falhou ao não agir para evitar que as MPs passassem tempo demais nas comissões especiais, o que fez com que elas chegassem aos plenários da Câmara e do Senado às vésperas do fim da validade.
Afago e cobrança
O PMDB se aproveita do momento de fragilidade na articulação política para emparedar o governo, deixando claro ao Executivo o grau de dependência que o governo tem em relação ao principal aliado. Renan, por exemplo, já havia se tornado credor do Planalto com a aprovação da MP dos Portos. Três dias depois, foi convidado pela presidente Dilma para participar com ela da inauguração da Arena Pernambuco, e recebeu, na mesma data, afagos por meio da liberação de recursos para o combate à seca em Alagoas.
Outro expoente da estratégia do PMDB é a postura do líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Durante a tramitação da MP dos Portos, Cunha apresentou a polêmica emenda “Tio Patinhas”, que revoltou o Planalto e provocou as longas discussões que atrasaram a tramitação da proposta. Agora, decidiu ajudar o Planalto — e também somar créditos. Foi ele quem articulou a transferência do conteúdo da MP 605 para a MP 609, providenciando a solução buscada pelo governo. “Pensando na importância da matéria, o líder Eduardo Cunha me apresentou a proposta e depois acertou com o líder (do governo na Câmara) Arlindo Chinaglia”, disse Alves.
As ações do PMDB, entretanto, não estão passando despercebidas, embora o Planalto se encontre, ao menos por enquanto, de mãos atadas. Na noite de terça, após o fracasso da votação da MP 605, a chefe da Casa Civil, ministra Gleisi Hoffmann, reclamou com Dilma da postura de Renan, que se recusou a ler as medidas provisórias, inviabilizando a votação. “Dilma defendeu Renan. Ela sabe que não pode brincar com a fidelidade do PMDB”, provocou um interlocutor do presidente do Senado.
Debandada pré-feriado
Na véspera do feriado, o plenário da Câmara ficou vazio. Pela manhã, o painel eletrônico registrava a presença de 261 deputados, mas apenas oito estavam no local. Grande parte registrou a presença e viajou em seguida para os respectivos estados. Na terça, alguns congressistas demonstravam desconforto com a sessão prolongada que aprovou modificações na chamada Lei das Drogas. Já no Senado, pela manhã, parlamentares se revezavam entre as comissões. “Eu deixei de viajar para participar da CCJ”, disse Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). À tarde, porém, apesar de 57 parlamentares terem registrado presença no plenário, no fim do dia, somente três estavam no local.
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MP dos Portos
O governo não negociou com o Congresso o encaminhamento da matéria e o projeto emperrou na Câmara: só foi aprovado após uma votação que durou 41 horas, atravessando duas madrugadas. No mesmo dia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) aprovou a MP, em menos de sete horas, e se tornou credor do governo. Entretanto, Renan anunciou que a Casa não votaria mais medidas provisórias com menos de sete dias de validade.
MP da Energia Elétrica
Mais uma vez, o governo deixou até o último minuto a aprovação da MP. O texto passou na Câmara, mas Renan vetou a tramitação no Senado.
CPI da Petrobras
Parlamentares do PMDB, acompanhados de outros partidos, apoiaram a criação de uma CPI para investigar os negócios da estatal.
Liberação de emendas
O governo não liberou as emendas parlamentares no início do ano e, antes da votação da MP dos Portos, prometeu disponibilizar R$ 1 bilhão — acabou aumentando a generosidade para R$ 7 bilhões. Mas a manobra grupos de parlamentares da própria base ressuscitassem a ideia do Orçamento impositivo para que os congressistas não fiquem mais dependentes da boa-vontade do Planalto.
Novos partidos
O Executivo apoiou a aprovação do projeto que retira dos novos partidos o direito de ter acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de televisão. O imbróglio dividiu o Congresso e o STF suspendeu a tramitação da proposta.
PEC contra o STF
Apesar de ser um assunto do Congresso, o governo não conseguiu barrar a proposta — apresentada por um petista — que submete decisões do STF ao Legislativo. Mais uma vez, a base está dividida entre interesses partidários e do Planalto.
Fonte: Correio Braziliense / Estado de Minas
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