O Congresso enfrenta nova corrida dramática contra o tempo para duas medidas provisórias, evitando a morte súbita na segunda-feira, quando perdem a validade. A Câmara precisava aprová-las na noite de ontem para que cheguem ao Senado pelo menos sete dias antes do prazo fatal, conforme pactuado entre os senadores e o presidente Renan Calheiros no último dia 16, quando a Casa recebeu e teve que aprovar a MP dos Portos a quatro horas do prazo fatal. O Senado tem culpado a Câmara pela demora, mas não é simples assim. A origem do problema está na determinação do STF, em 2012, para que toda MP passe previamente por uma comissão especial mista e tenha um parecer aprovado. Os conflitos na comissão consomem a maior parte do tempo, e o parecer chega também ao plenário da Câmara com poucos dias de antecedência. Há remédio: a rápida aprovação, pela Câmara, da proposta de emenda constitucional do senador José Sarney, relatada por Aécio Neves, já votada pelo Senado, que propõe rito mais racional e claro, dispensando ordens do STF.
"A observância da exigência do Supremo é que conturbou a tramitação das MPs. Anteriormente, o parecer podia ser dado em plenário, sem prejuízo para o processo legislativo. O trabalho das comissões, compostas por deputados e senadores, tem imposto constrangimentos também à Câmara", diz o secretário-geral da Mesa, Mozart Viana, apresentando vários exemplos de MPs que foram recebidas a duas semanas da perda de validade, às vezes até menos. Uma das que está pela bola sete, a 601, foi liberada pela comissão no dia 16 passado, uma quinta-feira, com uma folga de apenas 12 dias para ser votada pelas duas Casas. A 605 foi liberada para votação no dia 20, segunda-feira passada, com apenas oito dias de prazo para as duas Casas.
A tramitação das MPs tem sido problemática desde que Constituição de 1988 entrou em vigor. Criticadas porque conferem poder de legislar aos presidentes (valem como lei antes da aprovação), elas substituíram a figura draconiana do decreto-lei, criado pela ditadura que, ao contrário da MP, que perde a validade, virava lei se não votado em 45 dias. E não podia ser emendado ou modificado. É verdade que os governos abusam, mas, nos tempos atuais, é impossível governar sem um instrumento similar. Até 2002, os governos editavam e reeditavam a mesma medida sucessivamente, por anos a fio. Eleito presidente da Câmara, Aécio Neves liderou a aprovação de uma resolução acolhida pelo Regimento Comum às duas Casas, proibindo as reedições e fixando prazo de 14 dias para a manifestação da comissão mista, referida no artigo 62 da Constituição. O prazo deixou de ser observado e as comissões, de serem criadas. Os pareceres passaram a ser emitidos em plenário.
Assim andou a carruagem até que, no ano passado, julgando uma contestação à MP que criou o Instituto Chico Mendes, o STF declarou sua nulidade porque não passou pelo crivo da comissão. Teve que recuar no dia seguinte, quando ficou demonstrado que mais de 500 leis derivadas de MPs votadas nas mesmas condições perderiam a validade, criando lacunas legais gigantescas e danosas ao país. Já tomando gosto pela ingerência no Congresso, o Supremo decidiu que o passado seria esquecido, mas que, dali para a frente, o rito teria que ser observado. Sua observância, entretanto, é inadequada à natureza e à dinâmica parlamentar.
O líder do governo no Senado, Eduardo Braga, tem endossado as críticas à demora dos deputados, mas concorda com a solução. "Só sairemos desta situação se aprovarmos a PEC do Sarney. Mas isso também quem está devendo é a Câmara."
Segundo a proposta de Sarney, se a comissão especial não se manifestar em 10 dias, a MP segue para o plenário da Câmara, onde disporá de 80 dias para ser votada, e depois para o Senado, que terá 30. A diferença é razoável. A Câmara é bem maior e ali afloram conflitos mais agudos. As reedições seguem vedadas e ficam proibidos os "contrabandos", como dizem os parlamentares, referindo-se à inclusão de artigos sobre temas paralelos, tanto pelo governo como pelos congressistas. Será um grande passo.
Depois do naufrágio
O governo se armava ontem para tentar salvar a reforma do ICMS, peça importante para a simplificação tributária e a redução dos custos das empresas, depois de tê-la dada como perdida nos últimos dias. No Senado, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou resolução que, em vez de unificar as duas alíquotas atuais em uma só, de 4%, criou três. Na Câmara, complicou-se a tramitação do projeto complementar sobre a renegociação das dívidas dos estados, que tem como relator o líder do PMDB, Eduardo Cunha. Ele quis incluir, a pedido dos governadores, uma redução do montante das dívidas, que o governo não aceitou.
O líder do governo no Congresso, José Pimentel, esteve no Planalto ontem acertando a nova estratégia. Enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, retoma o diálogo com os governadores, os governistas deixarão caducar a MP 599, que criava mecanismos de compensação aos estados pelo fim da guerra fiscal. Ela perdeu o sentido com a resolução da CAE. As compensações serão incluídas, se tudo der certo, no projeto que troca o IGP-DI pela Taxa Selic (hoje mais baixa) na correção das dívidas. O governo admite alguma concessão, mas não a redução encampada por Cunha. Afinal, os grandes devedores não são estados pobrezinhos: São Paulo (estado e capital), Minas, Rio Grande do Sul , Rio de Janeiro e Bahia.
Esqueletaria
A União é um grande armário do qual não param de sair débitos e pendências. A pedido do senador Benedito de Lira (PP-AL), o TCU deve auditar as dívidas dos pequenos agricultores que foram securitizadas há alguns anos. Os bancos oficiais parecem ter aplicado taxas de juros e correção em desacordo com o que foi renegociado. Comprovada a irregularidade, terá que haver o ressarcimento dos agricultores que pagaram a mais.
Fonte: Correio Braziliense
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