Na entrevista que concedeu ao jornal "Folha de S. Paulo", publicada no domingo, a presidente Dilma Rousseff nomeou o interlocutor econômico do governo: é e continuará sendo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Faltou dizer quem é o interlocutor político, outro fator de tensão na atual conjuntura. Como a presidente também afirmou que não pretende mexer na equipe de governo, o pressuposto é que Dilma decidiu enfrentar os duros embates com o Congresso, previstos para este semestre, com a mesma equipe e o mesmo modus operandi até agora empregados.
Mudanças no ministério devem ficar mais para o fim do ano ou início de 2014, quando a presidente terá de substituir de 10 a 12 ministros que serão candidatos às eleições de 2014, entre eles Ideli Salvatti (Relações Institucionais), que tanto pode ser candidata ao governo estadual como ao Senado por Santa Catarina. O Palácio do Planalto conhece o cardápio indigesto que o Congresso pretende lhe oferecer na volta do recesso, mas não tem muitas opções além das que atualmente dispõe para coordenar e tentar conduzir esse processo. As alternativas apresentadas pelo PT são piores.
Uma delas seria a nomeação do deputado Ricardo Berzoini (SP) para o lugar. Ex-ministro do governo Lula e ex-presidente do PT, a nomeação de Berzoini seria mais um problema que solução para o governo. Em 2006, então presidente da sigla, Ricardo Berzoini foi afastado do comando da campanha da reeleição do ex-presidente Lula da Silva por conta do envolvimento de meia dúzia no escândalo dos "aloprados", como Lula chamou auxiliares que teriam confeccionado um dossiê para incriminar o PSDB no desvio de recursos para a Saúde. O deputado também é investigado por envolvimento em suposto desvio de recursos da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) para o caixa 2 do PT.
Reforma no fim do ano deve atingir pelo menos 12 ministros
O Congresso mudou as regras de convivência entre os dois poderes com o jogo em andamento, ao decidir votar vetos da presidente da República logo na reabertura do semestre legislativo, e com isso surpreendeu o Palácio do Planalto. Numa avaliação realista, o governo pode perder, entre outras, a votação do veto ao fim da multa de 10% sobre o FGTS e a do projeto que estabelece o Orçamento impositivo.
A disputa pela multa dos 10% será árdua, pois envolve interesses combinados de empresários e dos congressistas, independentemente de cor partidária. Pior para o programa Minha Casa Minha Vida, ao qual seriam destinados os recursos arrecadados. Votação difícil, o que não quer dizer que o governo jogou a toalha. O empenho maior, no momento, é em torno da negociação do orçamento impositivo. Caminham bem as conversas no sentido de restringir o alcance do projeto, talvez apenas às emendas parlamentares. Não deixará de ser uma derrota para este e os próximos governos. Os presidentes manobram com o Orçamento autorizativo - como é atualmente - para conquistar simpatias e votos no Congresso. O Executivo perde, o Legislativo ganha.
Chega a ser desconcertante a tranquilidade exibida pelo governo diante da ameaça de derrotas no Congresso, sobretudo na derrubada de vetos da presidente da República, sempre fator de risco para a decantada governabilidade. Os dois maiores partidos da aliança que elegeu a presidente Dilma esperavam e esperam mudança no comando da coordenação e articulação política. O PMDB espera que o vice-presidente Michel Temer seja mais acionado; o PT é um partido estraçalhado, o explica a desorganização e potencializa o risco de desintegração da base de apoio, se a presidente continuar a perder o apoio da opinião pública. Não é por acaso que Dilma insiste na associação de sua imagem com a de Lula, quando afirmou à Folha que "Lula não vai voltar porque nunca saiu".
O PMDB é sempre o problema apontado no Congresso, especialmente na Câmara. Pode ser. Mas certamente seria menor não fosse a divisão interna do PT. Em todo o processo do mensalão, desde a denúncia do esquema até hoje, passando por mais de 100 dias de julgamento ano passado, a corrente dominante do partido, antes denominada campo majoritário e que hoje atende pela designação de Construindo um Novo Brasil, perdeu espaços no governo e no Congresso. Na gestão passada, os dois líderes de bancada, Paulo Teixeira (SP), na Câmara, e Walter Pinheiro (BA), eram de outra tendência, a Democracia Socialista, ou simplesmente DS, como é chamada. O ex-presidente da Câmara, Marco Maia, é da CNB, mas, devido ao mensalão, passou o mandato constrangido e imobilizado para encaminhar as demandas de interesse do grupo.
A CNB recuperou agora os espaços congressuais: tem os vice-presidentes da Câmara (André Vargas, do Paraná) e do Senado (Jorge Viana, do Acre) e os líderes das duas bancadas, o deputado José Guimarães (CE) e o senador Wellington Dias (PI). Posicionada no Legislativo, quer agora recuperar espaços (muitos) perdidos no governo.
O campo majoritário queixa-se de não participar das decisões estratégicas do governo e não se considera representado por Ideli Salvatti (Relações Institucionais) ou pelo senador Aloizio Mercadante, ministro da Educação cada vez mais enfronhado nos arranjos de natureza política. Ao contrário, a CNB vê o governo com a "cara" da DS, tendência a que pertence, por exemplo, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, o dono das chaves do cofre e senhor das concessões de rodovias, ferrovias, aeroportos e do pré-sal a ser feitas neste semestre. Em associação com o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, essa é a principal fonte do boicote da base governista. Antes Cunha usava o PT; agora é usado por ele para fazer o que o partido não pode assumir publicamente.
A disputa no Congresso é por espaço no governo. Na falta de uma oposição maior e mais consistente, o conflito se desenvolve dentro da base de apoio do governo e dentro dos partidos que integram a coalizão governista.
Fonte: Valor Econômico
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