É preciso reconhecer que a evolução do sistema político brasileiro está emperrada por desfavorável combinação objetiva de interesses, à qual se soma a triste incompetência dos atuais deputados e senadores em optar por desobstruir pequenos vasos, em vez de se perderem em debates sobre temerárias propostas de transplante.
Como dificilmente pode haver algo mais nocivo ao futuro de qualquer sociedade que a incapacidade de adequar suas instituições a novas circunstâncias, talvez nada seja mais crucial hoje do que destravar essa evolução, de preferência de forma incremental. Daí a importância de perguntar se o saneamento do processo eleitoral não pode dispensar recurso às sempre traumáticas emendas constitucionais. E uma resposta positiva pode ser sintetizada em cinco tópicos.
Para começar, é perfeitamente possível cortar as asas das legendas de aluguel sem reduzir o grau de liberdade garantido pela Constituição à criação de partidos. Basta que as regras a serem respeitadas na formação de coligações acabem com a farra da acumulação dos respectivos tempos de rádio e televisão e dos quinhões recebidos do atual Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (FAFPP). Os tempos e recursos públicos de cada coligação devem ser unicamente os que cabem ao partido que tiver maior número de deputados. Extinta a possibilidade de negociar esses dois trunfos, os partidos de araque tenderão a definhar por falta de oxigênio. O que pode ser obtido com ínfimas alterações em duas leis ordinárias: a dos Partidos (9096/95) e a das Eleições (9504/97).
Partidos devem ser induzidos a se financiar exclusivamente pela captação de doações junto a seus adeptos
Também é viável democratizar as regras de alocação do Horário Eleitoral Gratuito. A cada novo partido, que esteja disputando sua primeira eleição, deve ser garantido um mínimo de dois minutos de cada hora. Do tempo restante, um terço pode ser repartido igualitariamente entre os partidos (inclusive aos novatos) e dois terços proporcionalmente ao número de deputados eleitos no pleito anterior. Sem esquecer que em caso de coligação só será considerado o tempo destinado ao partido com maior número de deputados.
Em terceiro, é preciso enfatizar que também não há necessidade de se mexer na Constituição para começar a reduzir a abjeta influência eleitoral do poder econômico. Porém, sem passar mais dinheiro público aos políticos, como acha muita gente bem intencionada, mas que desconhece a experiência internacional.
Para que se tornem autênticas ferramentas representativas de correntes de opinião da sociedade civil, partidos políticos devem ser induzidos a se financiar exclusivamente pela captação de doações junto a seus adeptos, simpatizantes e apoiadores, mantendo a maior autonomia possível em relação ao Estado. Fórmula que tem mostrado altíssima eficácia quando prevê - além da proibição de doações por pessoas jurídicas - razoáveis incentivos fiscais para as doações de pessoas físicas, com teto realista e xilindró para quem burlar tais regras.
Essa é, infelizmente, uma das principais mazelas do anteprojeto de iniciativa popular "Eleições Limpas" (www.eleicoeslim pas.org.br), que - com apoio da OAB- pretende que seja criado um "Fundo Eleitoral de Campanhas" ao lado do já discutível FAFPP. Pior: pretende limitar as doações de pessoas físicas a irrisórios R$ 700. Seria possível pecar por mais estatismo?
A quarta mudança incremental necessária ao saneamento das eleições seria a paulatina criação de circunscrições nos Estados que mais concentram eleitores. São Paulo, por exemplo, deveria ter oito, duas delas na capital, como propõe o minucioso estudo que Octavio Amorim Neto, Bruno Freitas Cortez e Samuel Pessôa publicaram na revista Opinião Pública de junho de 2011.
Finalmente, mas tão importante quanto os quatro dispositivos anteriores, é a necessidade de estimular o eleitor a comparar os programas apresentados por partidos ou coligações, sem com isso restringir sua liberdade de escolher o representante de sua preferência. Também é muito canhestra a proposta da iniciativa "Eleições Limpas" para que isso ocorra em dois turnos, pois nesse caso a lista preordenada de candidatos seria uma camisa-de-força que só aumentaria as guerras intestinas dos partidos. Inevitável em primárias internas para a composição dessa lista, mas extremamente nociva em segundo turno, quando os principais adversários de qualquer candidato seriam forçosamente seus companheiros de partido.
Bem melhor opção pode ser algo na linha do que propõe o deputado carioca Alfredo Sirkis (www.http:www.sir kis.com.br). Em pleitos proporcionais o eleitor daria simultaneamente dois votos para o mesmo mandato. Um deles em legenda de partido ou coligação, obediente à sua lista preordenada, mas outro livre, que poderia ser dado até ao último nome de qualquer das listas.
Esses cinco tópicos demonstram que intenso saneamento do processo eleitoral é imediatamente realizável se nesta volta do recesso parlamentar nossos deputados e senadores lhe atribuírem a prioridade que merece. Seria o pontapé inicial da tão badalada "reforma política".
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ),
Fonte: Valor Econômico
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