Padre João Batista Libânio, que defende a Teologia da Libertação, vê incentivo em Francisco
Tatiana Farah
SÃO PAULO - Aos 81 anos, o padre João Batista Libânio exibe fôlego jovem: é professor da Faculdade Jesuíta, de Belo Horizonte, escreve livros e artigos, e não deixa o ofício. Defende com animação a teologia da qual é um dos principais teóricos, a da Libertação. Antes da chegada do Papa Francisco, Libânio deixou Minas para pregar a mais de mil jovens de todo o mundo em Fortaleza, numa preparação para a Jornada Mundial da Juventude. O padre, que é primo de Frei Betto, outro defensor da Teologia da Libertação, vê no novo Papa um alento para os pregadores que, desde os anos 80, atuam junto às classes mais pobres e aos marginalizados na América Latina.
Como está a Teologia da Libertação hoje no Brasil?
Ela continua viva. Teve um congresso latino-americano no ano passado com uma presença muito forte de jovens, moças e rapazes. Com essa geração jovem, ela vai continuar.
O Papa Francisco tem um perfil mais próximo da Teologia da Libertação ou é mais parecido com o Papa Bento XVI?
O perfil dele é mais próximo do pobre, das pessoas marginalizadas e das pessoas perseguidas. Tanto que a primeira visita dele na Itália foi a Lampedusa, cidade onde estão muitos negros fugidos da África, buscando a Europa, vivendo em condições difíceis. Com a viagem, ele quis mostrar essa proximidade das pessoas mais marginalizadas no mundo de hoje.
João Paulo II também tinha uma atuação nesse sentido, mas não parecia ser favorável à Teologia da Libertação.
Quando ele era Papa, a Sagrada Congregação da Sé publicou dois textos (sobre a Teologia da Libertação), o segundo deles mais crítico. Mas depois ele escreveu uma carta aos bispos do Brasil dizendo que a Teologia da Libertação era necessária. Então ele também apoiou, à sua maneira. Talvez não estivesse próximo porque é muito difícil para um homem que viveu na Europa, nos países do Leste, entender a situação da América Latina, que é uma situação de opressão. O tipo de teologia que produzimos aqui é diferente da produzida naqueles países.
Pelo visto, então, não haverá essa dificuldade com o Papa Francisco porque é um homem da América do Sul. O senhor acredita que isso vá facilitar a compreensão da Igreja Católica acerca dos problemas da América Latina?
Sem dúvida. Sendo argentino, tendo sido arcebispo, cardeal na Argentina antes de ser Papa, ele mostra uma proximidade, uma compreensão melhor dos nossos problemas. Agora, o prefeito da Congregação da Doutrina da Fé escreveu um texto que correu o mundo inteiro, mostrando que a Teologia da Libertação é uma autêntica e verdadeira teologia. Portanto, há uma situação muito positiva de Roma em relação a ela.
Mas a Teologia da Libertação foi perseguida e chamada de marxista.
As dificuldades vieram de dois campos. Do político, porque era crítica ao capitalismo e aos governos da ditadura, e outra do interior da Igreja. Havia uma desconfiança de que a Teologia da Libertação poderia afetar algumas estruturas internas da Igreja com suas críticas. Considero a palavra perseguição muito forte. Mas houve uma certa reserva e um certo controle por se entender que essa teologia tinha um viés ideológico. Agora, isso está superado, principalmente com o Papa Francisco.
O senhor diz que a Teologia da Libertação continua viva, mas ela sofreu um enfraquecimento.
Eu distinguiria dois tipos de atualidades, a mais externa e midiática, e quanto a essa, sem dúvida houve uma diminuição. Mas a realidade do significado, da importância dela, do alcance dela, continua forte.
A vinda do Papa dá mais alento à Teologia da Libertação?
Ele tem feito gestos que mostram sua proximidade com o povo. Para nós, que somos comprometidos com as massas, as camadas populares, é um incentivo para que continuemos o trabalho de ajuda, de conscientização e de libertação dos marginalizados do nosso continente. O Papa quer formar uma Igreja mais próxima do pobre e isso é mais do que a Teologia da Libertação. É todo um processo da Igreja que se aproxima dos mais pobres. Isso, sem dúvida, nos dá alento. A teologia é só uma reflexão, o mais importante é a prática libertadora da Igreja.
Onde estão hoje os nichos dos católicos e do clero mais próximos da Teologia da Libertação?
Certamente são as pastorais sociais e, se você se lembrar bem, as campanhas da Fraternidade, praticamente todas elas têm um cunho social, o que mostra que a Igreja no Brasil está engajada com os problemas sociais.
Mas tem dois jeitos de a Igreja estar mais próxima do povo, pela libertação e pela caridade. Muitas dessas campanhas não vão mais no caminho da caridade?
Eu prefiro usar a palavra compromisso, porque a palavra caridade está mais desgastada. Compromisso com as camadas populares. E o compromisso é para ajudar o povo em seu processo de libertação.
O que o senhor considera mais importante no discurso do Papa para o Brasil e a América do Sul?
Ele tem dado muitos sinais de simplicidade de vida e de desejo de estar próximo das pessoas. Isso já é uma grande ajuda, porque é ruim para a Igreja ficar longe do povo.
Qual o diferencial de Francisco em relação a João Paulo II e Bento XVI?
Bento XVI era, primeiramente, o teórico, o acadêmico. Papa Francisco, pelo trabalho pastoral, tem mais proximidade com as pessoas. João Paulo II era um homem muito capaz de comunicar-se pela via midiática, de falar com as multidões.
Papa Francisco também poderá dar um novo fôlego aos católicos no Brasil, que hoje vê um forte processo de crescimento das igrejas evangélicas?
Sem dúvida dará um novo alento e vai conhecer essa situação, podendo nos ajudar a encontrar soluções para esse diálogo mais claro, mais lúcido e mais livre com os nossos irmãos evangélicos. Ele é mais ecumênico e poderá nos ajudar nessa questão
Fonte: O Globo
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