Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá.
A ironia do título dessa peça teatral dos anos 70 tem muito a ver com essa triste polêmica em torno da vinda dos médicos cubanos para participar do programa Mais Médicos.
Muitos da minha geração tiveram na Cuba revolucionária dos anos 60 e 70 uma especial admiração tendo-a como uma alternativa de liberdade e justiça social, como um contraponto ao poder "imperialista" dos EUA na América Latina e como uma referência política e cultural.
A pequena ilha, por conta de sua opção socialista e de seu alinhamento ao bloco soviético num mundo polarizado pela guerra fria, mesmo tendo tentado insistentemente a organização dos "países não-alinhados", sofreu e sofre até hoje um bloqueio comercial dos Estados Unidos que prejudica sobremaneira sua frágil economia. Com o fim do bloco comunista e da União Soviética, que lhe deram sustentação política e econômica por décadas, a situação ficou ainda mais difícil.
Mesmo com sabidas limitações sobre a democracia política e sobre a liberdade de expressão na ilha, a defesa de Cuba era justificada, um tanto romanticamente, como uma forma de resistência à pressão externa e de defesa de conquistas sociais, algumas profundas e eficazes, como as implantadas nas áreas da Educação e da Saúde.
Acontece que tudo mudou, o século em que estamos é o XXI, o mundo mudou, as pessoas mudaram, os países mudaram. E Cuba permaneceu no mesmo ponto, com os mesmos dirigentes, com o mesmo partido único e mantendo o mesmo discurso simplório de auto-defesa, procurando com isso justificar as limitações que o regime impõe à democracia e à liberdade de expressão. Não procura pensar para frente, para o futuro, é um país que se encolhe e se isola cada vez mais.
Embora alguns, especialmente do governo brasileiro e do governo cubano, tentem travestir essa operação com cores político-ideológicas e humanitárias, a importação dos médicos cubanos - que não estão sendo contratados e pagos individualmente mas contratados em bloco do governo cubano numa operação triangulada com a Organização Pan-americana de Saúde - parece não passar de uma mera terceirização, de uma pura e simples locação de mão-de-obra especializada, na qual o terceirizador recebe um valor pelo serviço e repassa apenas uma parte dele para seus empregados. Nada mais capitalista, dinheiro e lucro para o patrão, originado do trabalho assalariado. Haverá aí mais-valia, Karl?
De uma referência romântica e libertária para a América Latina no século passado está restando hoje para Cuba o papel de O.S. ou locadora de mão-de-obra para governos neo-populistas da América Latina.
Mesmo assim, que venham os médicos cubanos, que lhes sejam dadas condições de fazerem bem o seu trabalho, que sejam recebidos e acolhidos com respeito e hospitalidade e, esperamos, por uma questão de justiça e de igualdade entre trabalhadores, que recebam, pessoal e individualmente, EXATAMENTE OS MESMOS SALÁRIOS que os demais médicos participantes do programa, brasileiros ou estrangeiros, receberão.
Se depois de recebido o justo salário, obviamente descontados os impostos e contribuições de praxe (fazer o que?), doá-lo todo ou em parte, ao governo cubano, a uma instituição de caridade, aos Médicos Sem Fronteiras, à Cruz Vermelha, a um partido, ao criança-esperança ou mesmo torrar tudo no mais deslavado consumismo capitalista, deveria ser unicamente resultado da consciência e da liberdade de escolha de cada um.
Urbano Patto é Arquiteto-Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, dirigente do Partido Popular Socialista (PPS) de Taubaté e do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@gmail.com
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