A solução da crise diplomática com a Bolívia depende do destino que for dado ao refugiado senador Molina. Afora a palavra do Conare, os dois países firmaram tratado de extradição em 1942
A crise diplomática com a Bolívia, detonada pela desastrada fuga do senador Molina Pinto para o Brasil, com o auxílio de um trêfego diplomata brasileiro, não se encerra com a substituição do ministro das Relações Exteriores. Na primeira fala sobre o assunto, o presidente boliviano, Evo Morales, pediu a devolução do senador. Circularam rumores de que a presidente Dilma decidira por sua permanência no Brasil, mas essa não é uma decisão unilateral dela. Na posse do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, o embaixador da Bolívia no Brasil, Jerges Justiniano, lembrava que Molina era asilado na embaixada. “Aqui, é apenas um refugiado.” Isso é fato. Seu pedido de asilo terá que ser analisado pelo Comitê Nacional para Refugiados, o Conare. Por fim, Brasil e Bolívia têm um trato de extradição em vigor desde 1942.
O governo boliviano, como fazia ontem seu embaixador, insistirá no fato de que não há ditadura na Bolívia e que Molina não é um perseguido político. Os processos a que ele responde na Justiça são por corrupção. O país em que o STF dedica-se, há meses, a julgar um escândalo de corrupção, irá protegê-lo rasgando um acordo bilateral?
Para alguns diplomatas, Morales, ontem, apenas declarou sua expectativa de que o Brasil devolva Molina, mas, num segundo momento, deverá invocar o acordo de extradição, por sinal, firmado por um dos grandes de nossa diplomacia, Oswaldo Aranha. Tal como o caso Batisti, este também poderá terminar no STF, que se veria julgando algo parecido com uma eventual concessão de asilo, por alguma embaixada, ao deputado Donadon ou algum réu do mensalão, que depois fugiria do Brasil com apoio de diplomata da hipotética embaixada.
A resposta oficial à nota da chanceleria boliviana será a primeira tarefa do novo chanceler Figueiredo. Possivelmente, o Brasil dirá que o destino do refugiado será decidido depois do exame do caso pelas instâncias pertinentes, como o Conare, ganhando tempo para a decisão política — e isso vai demorar. A Decisão política, pois a essa altura, o episódio também já foi tragado pelo campo magnético da disputa partidária.
No Congresso, senadores e deputados da oposição continuaram ontem louvando a iniciativa do embaixador Eduardo Saboya ao assumir o risco de dar fuga ao asilado para lhe garantir a liberdade, mesmo sem consultar os superiores. No Senado, silêncio absoluto sobre o papel do senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, ao buscar Molina em Corumbá em avião emprestado não se sabe por quem. Ele mesmo declarou ter se articulado com o encarregado de negócios Eduardo Saboya para a operação. Senadores da oposição já lhe deram apoio, e seu partido, o PMDB, fechou questão em sua defesa. Senadores do PT pensam em pedir esclarecimentos, mas a relação com o PMDB anda por demais tensa para fazerem isso. Ao contrário do presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Nelson Pellegrino — que ontem foi à posse de Figueiredo e ao ato em que o ex-ministro Patriota lhe transmitiu o cargo —, Ferraço desapareceu de cena. Que seus pares não lhe cobrem o decoro, vá lá. Mas o silêncio é, no mínimo, uma omissão institucional.
A guerra médica
O governo e a presidente Dilma começam a ganhar a guerra da importação de médicos. E, para isso, estão contando muito mais com os erros dos adversários do programa, liderados pela corporação médica, do que pelos resultados, que ainda levarão algumas semanas para aparecer.
Na tarde de ontem, o senador petista e ex-ministro da Saúde Humberto Costa fez um discurso que a oposição não contestou, afirmando que o programa será vitorioso, já sendo apoiado pelas populações que serão beneficiadas. Condenando o festival de xenofobia em relação aos médicos cubanos, chamados de escravos por colegas brasileiros, recordou a declaração da jornalista Micheline Borges nas redes sociais: “Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica.” “Feliz será o dia”, disse Costa, “e eu tenho certeza de que não vai demorar, em que a maioria dos médicos do nosso Brasil serão filhos de empregadas domésticas, de pedreiros, filhos do povo. Aí sim, começará uma grande mudança social em nosso pais”. Costa convidou seus colegas a baixar as armas e aceitar o debate sobre a MP no Congresso.
O senador foi declarado “persona non grata” pelo CRM de Pernambuco. O relator da MP do Programa Mais Médicos, deputado Rogério Carvalho, recebeu ontem um telegrama do CRM de São Paulo dando-lhe 30 dias para reassumir o posto de médico do estado, função da qual está licenciado sem remuneração para exercer o mandato, como garante a Constituição. “Estou indignado. Isso é retaliação, é cerceamento do mandato popular”, protestou ele. Essas bobagens estão contribuindo para isolar a classe médica e garantir apoio ao programa em que Dilma apostou, e com o qual acabará resgatando mais pontos da popularidade perdida.
Aécio na toca de Serra
Será finalmente hoje o encontro do presidente e presidenciável do PSDB, Aécio Neves, com os deputados estaduais paulistas. Na semana passada, diante de ações atribuídas ao ex-governador José Serra para desarticular o encontro, Aécio decidiu adiá-lo. Será sua incursão mais ousada à toca do concorrente interno.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário