O estampido danoso da não cassação do deputado condenado Natan Donadon lançou a Câmara numa crise de consciência e deflagrou um conflito aberto com o Senado. Disputando uma corrida para corrigir e evitar o erro, senadores acusaram deputados e os presidentes das duas Casas se estranharam. A Câmara aprovou a toque de caixa a emenda constitucional que acaba com o voto secreto em toda as situações. O Senado quer aprovar apenas o artigo que acaba com o sigilo só nas cassações de parlamentares. Não combinaram nada antes. E o Supremo Tribunal Federal (STF) também deu sua contribuição ao barata voa com decisões contraditórias sobre a questão dos mandatos de condenados.
Antes da era Joaquim Barbosa no STF, existiam pontes de diálogo entre o tribunal e o Congresso. Se elas existissem hoje, a Câmara teria pedido ao Supremo que só expedisse a execução penal (prisão) de Donadon depois que ele fosse cassado. Se pela Mesa ou pelo plenário, até agora ninguém sabe ao certo. Pois o STF, em dezembro, no julgamento do mensalão, decidiu que a perda de mandatos seria automática. Agora em agosto, tratando do caso do senador Ivo Cassol, recuou, declarando que a competência seria do Congresso. É claro que isso animou a banda corporativa a não cassar Donadon. Ontem, o STF mudou novamente de posição, ao apreciar recurso do deputado João Paulo no caso mensalão, voltando a dizer que a perda de mandato é automática.
Por ordem do STF, registram juristas, Donadon foi indevidamente preso no exercício do mandato, em sinal do temor do Judiciário de que ele não fosse cassado. Pôde ainda ser levado algemado à Câmara, e liberado delas defender-se no plenário, comovendo a banda corporativa com seus relatos sobre a vida na cadeia. Todas estas situações são juridicamente esdrúxulas, diz um jurista, e foram perpetradas pelos dois poderes. Houvesse pontes, viria a cassação, depois a prisão.
Entre Supremo e Congresso, a conversa azedou há muito tempo. Mas entre as duas Casas do Congresso, faltou sintonia, reclamam os senadores. A Câmara, dizem eles, não poderia ter decidido tão unilateralmente sobre temas que, dependendo do resultado, afetariam o Congresso como um todo: a cassação do condenado pelo plenário e a aprovação da emenda acabando com o voto secreto. A Câmara, para responder logo aos protestos contra o que fez, votou anteontem a emenda que tinha à mão, acabando com o voto secreto em todas as situações. Mas os senadores parecem ter razão no que toca à aprovação de nomes de ministros do STF, embaixadores, dirigentes do Banco Central e de agências reguladoras. Nestes casos, precisam estar protegidos de eventuais pressões do Executivo. A saída deverá ser a promulgação fatiada proposta por Renan, apenas do artigo que trata de cassações.
Por fim, o STF, pela primeira vez, deu ontem a mão à palmatória reconhecendo incongruências na condenação, a penas distintas, de dois réus acusados do mesmo delito. Fizeram ginásticas verbais para admitir o erro, especialmente o decano Celso Mello. O tempo mostrará que essas não foram as únicas falhas processuais do julgamento. Isso não acontecerá na apreciação dos embargos infringentes, mas pode ocorrer mais tarde, na chamada revisão penal, que só pode ser pedida durante o cumprimento da pena, para a apresentação de novas provas.
Marco Civil e a espionagem
Nada justifica as violações de privacidade, inclusive de chefes de Estado, pelos EUA. Mas como já registrado aqui, o Brasil (e outros países) também, facilitaram a tarefa da raposa. Há mais de 10 anos o mundo sabe disso, havendo o Parlamento Europeu, no ano 2000, produzido relatório de suas investigações sobre o programa Echelon, que deu origem ao sistema em operação pela NSA/USA. Entretanto, neste tempo todo, o Brasil agiu como avestruz e nada fez. Agora reage ao tiro. A presidente Dilma pediu que especialistas brasileiros conheçam os sistemas de proteção de China, Rússia, Alemanha e França. Mas ela pode começar pelo caminho mais curto, cobrando do Congresso a aprovação do marco civil da internet. O projeto, diz o relator, deputado Alessandro Molon, está prontinho para ser votado. "Falta apenas o presidente pautar a matéria", diz ele.
O marco civil é uma espécie de lei maior sobre a internet, que vem sendo usada no Brasil há 17 anos sem qualquer regulamentação que proteja os usuários. O projeto inicial foi elaborado pelo Ministério da Justiça, depois de uma ampla consulta pública, em 2009. Dilma o enviou ao Congresso em 2011. Como relator, Molon viajou pelo país, fez sete audiências publicas e ouviu 60 entidades da sociedade civil. O texto foi objeto de nova consulta pública pelo site da Câmara, recebendo mais 374 contribuições. Poucos projetos foram elaborados com tanta participação popular e rigor técnico.
Transformado em lei, dotaria o país de mecanismos importantes de proteção à privacidade de cidadãos e autoridades. Ele determina, por exemplo, que o provedor de conexão com a internet deverá "manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de um ano", não podendo a responsabilidade nem os dados serem "transferidos a terceiros". Isso vale, especialmente, para os e-mails. Naturalmente, está previsto o acesso de autoridades policiais e judiciais, em determinadas condições. Proíbe também o provedor de guardar os registros de acesso a aplicações da internet. Vale dizer, não copiar e guardar registros sobre a navegação do internauta: que páginas e sites acessou, que operações realizou. Hoje, o provedor sabe exatamente o que cada um fez na solidão de seu computador. E pode vender ou ceder estas informações. Outra providência importante: determina que, quando alguém se desliga de uma rede social, seus dados sejam excluídos definitivamente, coisa que hoje não acontece. Entretanto, anteontem, quando o deputado Jean Willys falou no marco civil, na reunião de líderes, todos desconversaram e o projeto não foi pautado.
Fonte: Correio Braziliense
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