Ex-presidente socialista, que fez governo de continuidade, agora promete reformas radicais
Janaína Figueiredo
Em março de 2006, a socialista Michelle Bachelet chegou ao Palácio de la Moneda com o mérito de ser a primeira mulher eleita presidente do Chile e o objetivo de continuar o trabalho do antecessor, o também socialista Ricardo Lagos. Hoje, Bachelet, que obteve 46,67% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial em novembro, contra 25,01% da ex-ministra de direita Evelyn Matthei, deverá bater um novo recorde e chegar mais uma vez à Presidência — com metas mais ambiciosas.
A líder da coalizão Nova Maioria, que, pela primeira vez desde 1970, inclui também o Partido Comunista, tem no programa de governo iniciativas ousadas como a de elaborar uma nova Constituição (a atual foi herdada da ditadura de Augusto Pinochet) e promover reformas profundas em Educação, Saúde e sistema tributário.
O lema de campanha de Bachelet é “O Chile é de todos”. E ela prometeu mudar o que ainda não conseguiu — incluindo a elaboração de uma nova Carta Magna, “escrita em democracia, representativa do Chile de hoje e que cuide de todos os direitos dos cidadãos”, diz. Ainda não está claro como será o processo que levará à nova Constituição. Para tal, poderia ser convocada uma Assembleia Constituinte, ou, caso haja resistência interna, até deixar a reforma nas mãos do Congresso.
O que parece claro é que esta nova Bachelet tem pouco a ver com a Concertação que governou o Chile entre 1990 e 2006. — Hoje Bachelet está mais decidida a avançar com as reformas que exige a sociedade. Este é um novo ciclo político — disse ao GLOBO o sociólogo Alvaro Diaz, ex-embaixador do Chile no Brasil e ex-vice ministro da Economia. Para ele, neste segundo governo, Bachelet atuará num sistema político modificado pela força dos movimentos sociais e, principalmente, estudantis.
— Ela se identificou com a luta dos movimentos sociais, e esta nova coalizão está fortemente influenciada por estes movimentos — explicou Diaz.
Maioria no Congresso facilita
De fato, líderes estudantis que nos últimos anos participaram e comandaram marchas por reformas na educação, como a comunista Camila Vallejo, participaram da campanha da campanha e são aliados da favorita. Em seu primeiro governo, Bachelet tentou atender os pedidos do levante estudantil chamado de “rebelião dos pinguins”, mas a falta de apoio parlamentar à época transformou-se num obstáculo intransponível.
Agora, o bloco Nova Maioria terá 68 de um total de 120 cadeiras na Câmara e 21 das 38 vagas no Senado. Não será um controle absoluto, mas Bachelet e seus aliados estão seguros de conseguir o apoio necessário para aprovar, primeiro, uma reforma tributária que permita ao Estado oferecer educação gratuita e de qualidade — através de mais impostos para os mais ricos.
— Hoje, o custo da educação universitária é um dos mais altos do mundo. Paralelamente, 1% dos chilenos concentram 30% da renda do país. São distorções que precisam ser corrigidas — observou o ex-embaixador.
Casamento gay e aborto em pauta
Bachelet quer deixar para trás episódios como os de um vídeo da campanha, onde uma família tinha de optar: apenas um dos filhos podia ir à universidade.
— A sociedade chilena entrou numa etapa de maior exigência na prestação de serviços à classe média e média baixa. As promessas de Bachelet estão em sintonia com esse momento político — opinou o economista Gonzalo Martner, ex-presidente do Partido Socialista (PS). A plataforma é ousada. A candidata socialista e seus aliados incluíram na agenda o debate sobre o casamento gay e o aborto em caso de estupro.
Para a ala mais conservadora da Nova Maioria, o partido Democrata Cristão, fundador da antiga Concertação junto com os socialistas, a simples discussão desse tipo de projeto é um grande passo. — A nova coalizão inclui o Partido Comunista, que vai pressionar para radicalizar o governo — afirmou Roberto Méndez, diretor da consultoria Adimark, prevendo que Bachelet pode enfrentar certa tensão das ruas, dos movimentos sociais e de outros setores do país que não querem mudanças tão profundas.
Mesmo sem pesquisas recentes, analistas descartam a possibilidade de vitória da candidata governista. Após quatro anos de um governo de direita, os chilenos já deixaram claro que querem dar uma nova guinada em sua política. Aos 62 anos e depois de uma bem-sucedida experiência à frente da ONU Mulheres, Bachelet deve voltar com fôlego.
Se no primeiro governo, ela conseguiu aprovar uma reforma da Previdência que ampliou direitos para mais de um milhão de chilenos, agora, ela parece disposta a fazer mais mudanças a partir de março de 2014.
Fonte: O Globo
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