Alvo principal dos protestos no Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral (PMDB) traçou na
semana passada um plano de recuperação que passa pelo retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a disputa presidencial, antecipação de investimentos e inaugurações e a colocação de seu nome para suceder o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), em 2016.
Enquanto manifestantes ainda acampavam em frente ao seu apartamento no Leblon, Cabral se fechava em reuniões de avaliação política no Palácio Guanabara com seus mais próximos aliados. Concluiu que as manifestações no Estado, as maiores do país, "zeraram o jogo" no Estado e abriram espaço para candidaturas ao estilo do ex-deputado Fernando Gabeira (PV) ou do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL): distantes de grandes máquinas partidárias e com forte discurso em defesa da ética e de combate à corrupção.
Por isso, Cabral conclui, em suas análises, que a aliança PT-PMDB no Rio neste novo cenário pós-manifestações se impõe, deve acontecer ainda que à força, por inteligência e sobrevivência. Ainda mais porque percebe o crescente assédio do senador Aécio Neves (PSDB), candidato tucano a presidente, sobre Gabeira, o que garantiria um forte palanque ao tucano no Estado. Diante disso, avaliou com aliados que o retorno de Lula é fundamental e necessário para unir PT e PMDB no Estado e impedir a derrota dos dois partidos em nível estadual e nacional.
Mas há aí um cálculo político pessoal. Na ideia de Cabral, a volta de Lula o torna automaticamente o nome preferencial do partido para ser seu vice e abre espaço para o acordo no Rio. Inclusive com a possibilidade de o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) ser o cabeça de uma chapa que inclua o atual vice de Cabral e pré-candidato do PMDB ao governo, Luiz Fernando Pezão.
Até as manifestações, o PMDB do Rio ameaçava não apoiar a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência devido à insistência do PT em querer lançar Lindbergh. Agora o cenário é outro. Cabral, segundo interlocutores, vê os projetos nacional e estadual ameaçados e considera que com Lula as chances de salvá-los é muito maior. O cenário com que o PT fluminense trabalha é semelhante. Ambos acreditam que a volta de Lula traria agenda e caras novas, o que fortaleceria o nome de Lindbergh ao governo.
Esses planos, porém, têm um problema: Lula, até agora, nega uma nova disputa presidencial. O que faz Cabral e o PMDB fluminense manterem suas apostas em Pezão em 2014 e permitirem que avancem as conversas sobre sua candidatura à sucessão de Paes em 2016.
O discurso para o ano que vem é contraditório. Ao mesmo tempo em que dizem acreditar na viabilidade de Pezão, rejeitam a todo custo uma candidatura adversária petista. Com a ameaça de que, se ela ocorrer, "pode haver uma debandada que coloque o partido no Rio no colo do Aécio", segundo um pemedebista com cargo importante no Estado.
Isso porque o PMDB do Rio sabe que, ainda que a contragosto, depende do não lançamento de candidaturas do PT para manter seus status quo sem maiores dificuldades. Além disso, o diretório regional do partido tem vida própria em relação ao PMDB nacional. Detém o governo do Estado e a prefeitura da capital, que estão entre os maiores PIBs do país. Mas considera que a cúpula do partido, com seu perfil congressual, não dá muita atenção a isso e nem tem planos de voos maiores. Por isso, seu projeto regional vale mais do que o nacional. Vem daí também a tranquilidade com que o nome de Cabral é novamente colocado para a Vice-Presidência da República, cargo hoje ocupado pelo presidente nacional da sigla, Michel Temer.
A entrada de Paes no PMDB do Estado acentuou essa condição, pois deu sobrevida ao seu projeto de poder. Ao mesmo tempo que conferiu nova dinâmica no jogo interno partidário. O estilo "workaholic", com agenda própria e independente, inicialmente incomodou Cabral, que esperava um Paes menos ambicioso e mais subordinado. Após alguns meses, houve a acomodação e não há quem no círculo de ambos aponte que não jogam juntos. Os dois falam-se todos os dias. Paes reconhece que é devedor de Cabral, pois foi o governador que patrocinou sua migração do PSDB ao PMDB, a aproximação com Lula e a eleição para prefeito.
Só que, independentemente do que ocorrer com Cabral em 2014, Paes continua sendo o prefeito da Olimpíada - mesmo com algumas sugestões aqui e ali para que saia a governador. Algo que havia previsto que ocorreria, a ponto de colocar um vice do PT em sua chapa em 2012. Já Cabral precisa disputar - e vencer - alguma eleição. O governador, aos 52 anos, sabe bem de duas regras de ouro da política: político sem mandato perde força e espaços vazios são rapidamente ocupados. Daí começa a surgir a ideia de se lançar a prefeito em 2016.
"Hoje o Sérgio [Cabral] é nosso melhor nome. É o nome natural, meu candidato é ele", disse ao Valor Eduardo Paes. Essa posição ocorre dias depois de ele manifestar preferência pelo seu secretário da Casa Civil, Pedro Paulo, o que gerou irritação do presidente do PMDB-RJ, Jorge Picciani, que quer eleger prefeito um dos dois filhos: Leonardo, deputado federal, ou Rafael, secretário municipal de Habitação.
Picciani controla o partido e sua ligação é muito maior com Cabral do que com Paes, cuja entrada no PMDB em 2007 barrou durante oito meses. Ocorre que Picciani está sem mandato e não será candidato em 2014. E Cabral, se não for eleito, também fica sem mandato. O que deixaria Eduardo Paes como o principal expoente da legenda no Rio. Há dez dias, Picciani e Paes se encontraram para aparar as arestas. "Deixei claro a ele que ele só está onde está porque eu o ajudei", disse Picciani sobre o encontro.
Mais recentemente, Cabral passou a enfrentar problemas na sua base. A oposição formada por 12 deputados ganhou apoio de um grupo independente composto por mais 13 deputados, liderados por Domingos Brazão, do PMDB. O governo perdeu algumas votações na Assembleia Legislativa e uma Comissão Parlamentar de Inquérito está em vias de ser instaurada para apurar desvios de verbas da região serrana do Rio, devastada por enchentes em 2011.
Muito embora no PMDB haja certeza de que Cabral se elege a qualquer cargo em 2014, - a queda na sua avaliação é similar à de todos políticos - os adversários o consideram um candidato fácil de ser batido. "Ele está inviabilizado até a senador", disse o deputado Anthony Garotinho (PR), pré-candidato a governador e hoje o maior adversário, político e pessoal, de Cabral. Segundo ele, o único cenário em que a disputa seria mais difícil é o da candidatura Lindbergh com apoio de Cabral. "Aí se juntariam as três máquinas contra mim", afirma. É justamente um dos cenários avaliados hoje por Cabral. Garotinho diz acreditar que o governador fará tudo para impedir que ele vença por temer uma devassa. "Eles sabem que, no governo, vou fuzilar todos eles".
Foi Garotinho quem vazou em 2012 em seu blog as fotos de integrantes da cúpula estadual do Rio dançando com guardanapos na cabeça em Paris. Cabral e o ex-sócio-proprietário da construtora Delta, Fernando Cavendish, estavam na festa.
O episódio é considerado mais um a complementar o conturbado segundo mandato de Cabral, reeleito em 2010 no primeiro turno com 66% dos votos. Dentre outros detonadores de crise destacam-se um problema com os bombeiros que colocou a população contra ele e um acidente de helicóptero com vítimas fatais que revelou sua proximidade com Cavendish. O empresário era o dono do helicóptero, utilizado pelo governador.
O mais conhecido opositor de Cabral na Assembleia Legislativa, Marcelo Freixo (PSOL), aponta que no Rio os protestos tinham o governador como o primeiro alvo, tanto que foi o único lugar onde manifestantes acamparam em frente à sua residência. "Ele é o mais atingido pela relação próxima que tem com as empreiteiras, por sua ausência constante do Estado, pela crise dos guardanapos; o Rio quanto mais cresce mais desigual fica, a política de segurança está em xeque", disse.
Freixo, que surpreendeu na disputa contra Paes em 2012 - teve 28,15% dos votos - não confirma sua candidatura, mas deixa no ar a possibilidade de se lançar. "Meu projeto é para 2016. Mas muita coisa pode acontecer ainda." No círculo próximo a Cabral, a candidatura de Freixo é ainda uma incógnita, mas vista com grande potencial de causar-lhe estrago.
Fonte: Valor Econômico
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