O seminário de Kuala Lumpur da Academia da Latinidade teve ontem seu ponto alto na visão de estudiosos chineses sobre o "século chinês", que eles aceitaram classificar de "século asiático" para ficarem dentro do espírito da região. O professor de Literatura Comparada e Tradução Zhang Longxi, da Universidade de Hong Kong, defendeu a necessidade de integração com o Ocidente citando Lu Xun, que classificou como "um dos mais radicais pensadores da moderna história chinesa".
Considerado o pai da literatura moderna na China, Lu Xun fazia parte de um grupo de intelectuais ligados ao Partido Comunista Chinês que defendia mudanças na cultura, sendo dos primeiros, por exemplo, a não usar o chinês clássico nos seus escritos literários, utilizando-se da língua falada.
Ele defendia a necessidade de absorver ideias novas vindas de outras culturas do Ocidente e certa vez, para contestar os conservadores que consideravam perigoso esse processo de assimilação cultural alegando que os chineses acabariam se transformando em estrangeiros, Lu Xun fez uma de suas conhecidas sátiras ressaltando que "ninguém se transforma em uma vaca por que come bife".
O professor Zhang Longxi admite que comparado com o final do século XIX e o início do século XX - época em que Lu Xun defendeu, sob muitas críticas, suas ideias de integração cultural - estamos em um novo mundo em que a sobrevivência da China não está mais em questão. Ao contrário, disse ele, é mais comum ouvir a previsão otimista de que o século XXI será "o século chinês" de pessoas com a autoridade do historiador inglês Arnold Toynbee.
Mas o professor recorre ainda a Lu Xun para uma advertência aos próprios chineses: "A raça que tem muitos que não são complacentes consigo mesmo vai sempre andar para a frente e sempre terá esperança. A raça que só sabe acusar os outros sem refletir sobre si mesma está ameaçada com iminentes perigos e desastres".
Dentro da mesma linha de raciocínio, o professor de Filosofia da East China Normal University (ECNU) Tong Shijun, fez uma análise sobre a importância do "soft power" para a expansão da cultura chinesa pelo mundo dentro do "século chinês".
Essa expressão foi cunhada pelo cientista político Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard com larga experiência dentro da máquina administrativa do governo dos Estados Unidos - trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa. O "soft power" seria uma terceira dimensão do poder, superando em certas ocasiões o poder econômico e o militar.
Num mundo multipolar, esse “poder suave”, cultivado nas relações com aliados, na assistência econômica e em intercâmbios culturais, resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa. Segundo Tong Shijun, a importância do "soft power" foi destacada pela primeira vez 1993 em um texto de um dos mais influentes dirigente chinês, o intelectual Wang Huning, e chegou ao Congresso do Comitê Central do Partido Comunista Chinês em 2007.
No ano passado, o próprio presidente chinês Xi Jinping afirmou em um discurso que "para fortalecer o "soft power" do país devemos fazer nosso melhor esforço para aperfeiçoar nossa capacidade na comunicação internacional". Tong Shijun definiu alguns pontos do que seriam os sentidos cultural e político do "soft power" no discurso chinês:
- A tradicional ideia de uma Nação que tem longa tradição civilizatória compartilhando aprendizado e paz; - O ideal revolucionário de "grande contribuição à Humanidade";
- Os cinco pontos do "socialismo com características chinesas": economia de mercado; democracia e Estado de Direito, ambos promovidos pelo Partido Comunista; cultura nacional cosmopolita; uma sociedade harmoniosa que seja ecologicamente correta.
Esse conjunto de valores e objetivos formariam na linguagem oficial o "sonho chinês" como parte de um sonho do conjunto da humanidade. E, implicitamente, tomaria o lugar do "sonho americano".
Há estudos entre acadêmicos na China que consideram que o país está em busca de uma democracia que se valerá cada vez mais da meritocracia, que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não apenas os que têm influência para atrair votos. Seria uma democracia à moda chinesa. Como já escrevi aqui comentando esses estudos, se o Partido Comunista Chinês se delegar essa tarefa, continuaremos na mesma falta de liberdades cívicas.
Fonte: O Globo
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