Integrantes do Psol e do PCO defendem a atuação dos black blocs como forma de proteger as manifestações. Artistas também criticam a repressão policial
André Shalders
A morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, colocou em primeiro plano, mais uma vez, a violência dos black blocs. Até o fim do ano passado, no entanto, a ação mascarada era vista com simpatia por alguns setores da esquerda. É o que mostra um texto publicado na página do PSol por Edilson Silva, integrante da Executiva Nacional do partido, no fim do ano passado. “Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer utópico ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da esquerda coerentes, como o PSol, dialogando com a tática black bloc (...)”, conclui o texto, que foi removido da página da legenda no fim da tarde de ontem, depois de um contato do Correio com a comunicação do partido.
Embora faça ressalvas ao voluntarismo e a outras debilidades dos black blocs, o texto descreve a tática dos encapuzados como detentora de um “inegável charme político”. Em nota oficial publicada ontem, a Executiva do partido diz que “apoia de forma irrestrita o direito à livre manifestação e recrimina a postura repressiva do aparato estatal. Mas, ao mesmo tempo, não concorda e nem participa de ações efetuadas por pequenos grupos presentes em alguns atos”. Procurado, o PSol informou que a posição oficial da legenda é a exposta na nota.
Mesmo depois da morte de Santiago, algumas organizações políticas seguem apoiando, mesmo que apenas verbalmente, a ação dos black blocs. É o caso do Partido da Causa Operária (PCO). Em editorial publicado na segunda-feira pelo jornal do partido, a organização diz que a morte de Santiago deu origem a uma “campanha” contra os manifestantes e os black blocs, com o objetivo de “aumentar a repressão contra as manifestações, evidentemente, justificando o uso da força policial como uma medida para ‘evitar mais mortes’”.
Em outro editorial publicado em outubro passado, o jornal Causa Operária conclui que “é preciso seguir o exemplo do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, que tirou uma nota em apoio aos black blocs, e defender esses manifestantes. É preciso pedir o fim da perseguição e realizar uma campanha contra a tentativa de tornar crime os movimentos de luta.” Os black blocs também receberam apoio em nota publicada pela União Popular Anarquista (Unipa). Procurado, o PCO preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Apoio
As organizações de esquerda não foram as únicas a flertar com os mascarados. Durante uma entrevista ao grupo Mídia Ninja, em setembro passado, o cantor Caetano Veloso foi fotografado com uma blusa preta em torno do rosto, à moda dos manifestantes. Na legenda, uma frase atribuída a Caetano dizia que “é uma violência simbólica proibir o uso de máscaras. Em 7 de setembro, todos deveriam ir às ruas mascarados!”. Procurado, Caetano não quis comentar a imagem. Atores, como Marcos Palmeira e Mariana Ximenes, também repudiaram a repressão às manifestações. “Se fala em vandalismo de um lado só, de que está se manifestando, dos black blocs. Na verdade, eu acho que existe um vandalismo também do outro lado”, disse a atriz Bianca Comparato.
Três perguntas para Chico Alencar, deputado federal pelo PSol-RJ
O artigo do Edilson Silva, integrante da Executiva Nacional do PSol, reflete uma opinião recorrente dentro do partido?
O artigo é um livre pensar do Edilson, que não expressa nenhuma posição do partido. A nossa posição é a que está expressa na nota da Executiva Nacional. De qualquer forma, é possível que os responsáveis pela morte do cinegrafista nem sejam adeptos da tática black bloc. Nós do PSol não temos qualquer relação com eles, até porque os BBs não dialogam com grupos organizados e muito menos com partidos políticos. Ao nosso ver, os black blocs estão se tornando um fim em si mesmo, uma celebração da própria força bruta muito mais que uma forma de defender os manifestantes da truculência policial, como alegado de início.
Os black blocs ajudam ou atrapalham os protestos?
Essa tática se arrisca a mandar pelo ralo a energia transformadora das manifestações iniciadas em junho, contribuindo para afastar as pessoas das ruas. E os últimos acontecimentos foram a “gota de sangue”. É claro que há também leituras interessadas, de gente avessa aos questionamentos feitos pelas manifestações e às demandas das ruas. A gente vê um recrudescimento do conservadorismo e um esvaziamento das manifestações, com efeitos muito negativos para a democracia. Esperamos que esse triste acontecimento seja um ponto de inflexão para o movimento voltar a ganhar as ruas.
Como evitar que episódios como a morte do cinegrafista se repitam?
O momento também exige uma mudança de postura das autoridades e na atuação da polícia. Não podemos esquecer que o acidente ocorreu num momento de conflito: ele foi pego de costas enquanto registrava a ação da PM. Se a polícia tivesse efetivamente garantido um protesto pacífico, será que isso teria ocorrido?
Fonte: Correio Braziliense
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