É impossível permanecer insensível e inerte diante da onda de violência que engolfa o Estado de São Paulo e o País. O problema avoluma-se dia após dia, diante do olhar apático do Poder Legislativo, da acomodação do Poder Executivo, da sonolência do Poder Judiciário. O quadro é crítico e exige decisão e ação.
Quem já passou pela experiência de ser assaltado à luz do dia, em rua movimentada, por homens armados com pistolas de grosso calibre se sente no dever de desacreditar de falsas promessas, cínicas justificativas e enganosas estatísticas apresentadas por aqueles que têm a obrigação de garantir a segurança pública.
Detalhada reportagem publicada por este jornal na edição de 2 de março, domingo de carnaval, descreve a invasão da pacata cidade paulista de Conchas por bando armado, que explodiu e saqueou caixas eletrônicos, desafiou o modesto destacamento policial, semeou pânico entre a indefesa população. Não é o primeiro episódio de cangaço motorizado ocorrido no interior e não será o último. Os salteadores perceberam ser fácil dominar comunidades de pequeno e médio porte, onde a Polícia Militar possui efetivo simbólico e a Polícia Civil se reduz ao delegado (se houver), um investigador e o escrivão. A superioridade dos criminosos em número e armamento é flagrante e a população limita-se a assistir aos ataques, sem condição de se defender.
Na capital e nas grandes cidades observa-se situação semelhante, embora os criminosos se valham de táticas específicas. Agem em quadrilhas e usam do elemento surpresa para tomar residências e edifícios, roubar restaurantes, indústrias e casas comerciais, assaltar motoristas e pedestres. Em seguida, eles se dispersam nas favelas, onde se misturam com o povo ordeiro, medroso e sofrido, para fugir e impedir a identificação.
A conclusão é óbvia: o Estado não se preparou para enfrentar a onda crescente de violência. Permanecemos regidos por códigos da década de 1940 - mais antiquados do que a arcaica Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) - e se insiste na preservação da idade-limite de 18 anos, abaixo da qual o criminoso forte, tatuado, de alta periculosidade, é tratado como adolescente frágil, digno de piedade.
Quando legisla, o Estado não alcança os resultados alardeados. São estatutos ineficazes, sancionados com estardalhaço, como observou alguém. Tome-se o caso da Lei Maria da Penha, que, apresentada à opinião pública como solução mágica para a violência doméstica, resultou em menos do que nada. Mulheres continuam a ser estupradas, espancadas e mortas, após insistirem em lavrar inúteis boletins de ocorrência. Situação similar é a do Estatuto do Torcedor. Torcidas organizadas com apoio financeiro de clubes, armadas com porretes, espetos, barras de ferro, estiletes, coquetéis molotov, morteiros, rojões, entram em choque antes, durante e depois de grandes jogos ou agridem e matam quem encontram pelo caminho, por sadismo e diversão. Se confrontadas, desafiam a polícia, pois sabem que nada lhes acontecerá.
Caso singular é o do desarmamento. Aplicado com rigor contra pessoas de bem, privou de meios de defesa pais de família, trabalhadores, empresários, proprietários rurais, possuidores de revólver ou cartucheira, adquiridos no comércio de maneira regular. Não consegue impedir, todavia, que bandidos continuem armados. Em São Paulo, e pelo Brasil afora, marginais menores ou maiores empregam metralhadoras, fuzis semiautomáticos, pistolas .45 ou 9mm, escopetas calibre 12, granadas para enfrentar as forças policiais em superioridade de condições.
A campanha pelo desarmamento da população civil teve início no governo Fernando Henrique Cardoso e ganhou corpo nos que se seguiram. Apesar de velha, trouxe pífios resultados, atingiu apenas gente do bem. Sou avesso à violência. Reivindico, todavia, o direito de cada cidadão optar entre ter ou não arma para defesa, desde que satisfaça requisitos relativos à aquisição, ao registro e ao porte.
Compete à União legislar sobre direito penal e processual penal (Constituição, artigo 22, I). Ao Estado cabe zelar pela segurança pública. Para tanto mantém a Polícia Civil, à qual incumbem as funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, e a Polícia Militar, responsável pela preservação da ordem pública e pelo policiamento ostensivo (Constituição, artigo 144, parágrafos 4.º e 5.º).
A coexistência de duas Polícias - a Militar e a Civil - regidas por estatutos desiguais e conflitantes, com hierarquias e finalidades distintas, tem sido apontada como obstáculo à rapidez, confiabilidade e eficiência na elucidação de crimes. Por via de consequência, é elevadíssimo o número daqueles que deixam de ser esclarecidos e caem no esquecimento, para desespero das vítimas, ou seus familiares. Quando elucidados, os processos se arrastam pesadamente por meio de recursos protelatórios em múltiplas instâncias.
Diante do quadro de insegurança, é inqualificável o silêncio dos candidatos à Presidência da República. A população cobra-lhes clara tomada de posição em face do problema da menoridade penal, do tráfico e consumo de drogas, da carência ou péssimas condições em que se encontram os presídios, da morosidade processual.
A ascensão do crime organizado é fato. Promessas de combatê-lo caíram no descrédito. Não basta confinar alguns presidiários em desumanas solitárias, medida cruel e comprovadora da vulnerabilidade do sistema penitenciário, incapaz de evitar o contrabando de celulares (para dentro das cadeias). São indispensáveis ações preventivas, conduzidas com inteligência e, quando necessário, força para conter os violentos.
A não ser assim, o clima de pavor e insegurança persistirá, para desalento de quem procura viver em paz, dentro da lei.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário