O ano de 2014 será emblemático para o Brasil. Na Copa da Fifa, poderemos vencer ou não; teremos o ano do hexa com rebeliões, ou um ano de rebeliões sem o hexa.
Mas será também o ano das eleições. Depois do vendaval de junho, os partidos recuperam seu espaço e já se sentem confortáveis novamente para o embate. Muitos exemplos mostram, entretanto, que a revolta nas ruas não têm tido repercussão direta nos resultados eleitorais.
Da Espanha ao Chile, da Itália a Portugal, as sublevações seguem uma lógica que recusa os calendários eleitorais, e o absenteísmo se amplia. A descrença é tal que quem opta por votar o faz alternando suas opções entre as principais rotas dominantes e aquela que vence recebe o troco nas eleições seguintes.
No Brasil, a presidente Dilma Rousseff (PT) recuperou-se nas pesquisas, ainda que a situação econômica e as turbulências de toda ordem sejam incógnitas eleitorais. A recente crise da aliança entre seu governo e o PMDB e a compra pela Petrobras de uma petroleira hipervalorizada nos Estados Unidos demonstram que o quadro eleitoral pode se turvar ainda mais.
Mas o ex-presidente Lula e seus candidatos ainda são fortes nos rincões onde o Bolsa Família se expande. Se o programa permite minimizar os níveis de miséria, é incapaz de eliminá-la. Sua perpetuação tornou-se, então, vital para a manutenção do PT no poder, criando um círculo vicioso perverso: o Bolsa Família é uma política assistencialista absolutamente insuficiente. E quanto mais tempo perdurar, mais o PT se beneficia, pois os pobres temem a volta do tucanato com sua conhecida insensibilidade social.
Foi assim que o PT encontrou seu principal cabo eleitoral. Ocupou seu espaço, gostou do poder e garante a boa vida dos grandes capitais. Não foi sem motivos que um delfim do empresariado afirmou que Dilma "tem qualidades interessantes para administrar e é de uma seriedade extravagante. Devíamos saber aproveitá-la." (Valor Econômico, 23/12/2013)
O PSDB, por sua vez, perdeu o rumo quando o PT lhe roubou a programática. É constrangedor ver o senador Aécio Neves como paladino da oposição. O neto de Tancredo envelheceu precocemente e não percebeu. Deu espaço para Eduardo Campos (PSB) e Marina Silva (PSB), nessa esdrúxula aliança entre alguns verdes e novos e velhos ruralistas. Eles perceberam, entretanto, a fragilidade do mineiro, mas o querem como aliado.
E as esquerdas que estão na oposição serão capazes de ouvir a voz funda que aflorou nas rebeliões de junho? Conseguirão encontrar uma alternativa que dialogue com os movimentos sociais, com o descontentamento das periferias? Compreenderão a recusa à mercadização dos bens públicos e sua oposição à via estritamente eleitoralista e prisioneira de uma institucionalidade viciada? Serão capazes de ampliar os laços efetivos com a juventude e com a jovem classe trabalhadora?
Se o eixo das lutas sociais passa hoje pelas praças e ruas, as esquerdas, apesar de sua pequena expressão eleitoral, poderão ao menos mostrar que ainda têm algo distinto a dizer para "os de baixo", mesmo quando as eleições presidenciais parecem estar inteiramente restritas a uma dança entre os partidos da ordem.
Ricardo Antunes, 61, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil II"
Fonte: Folha de S. Paulo
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