Percepção não muda com a velocidade do mercado
Campanhas são janelas de oportunidades. Eleitores têm a chance de escolher quem lhes melhore a vida e os políticos, de progredir na carreira se os convencerem de sua capacidade para a tarefa.
É depois de fechadas as urnas que essas oportunidades se mostram, ou não, viáveis. Há um grupo de eleitores para quem a aposta na corrida presidencial é a própria oportunidade. A fatia mais visível deste grupo está nas mesas de operação dos bancos.
Esta semana o mercado de ações fez o primeiro movimento do ano mais abertamente marcado pela disputa presidencial. A Bovespa teve sua melhor semana de 2014 baseada numa especulação que não se confirmou.
Na quarta-feira, o jornal "Estado de S.Paulo" manchetou o voto favorável da presidente Dilma Rousseff, então presidente do Conselho da Petrobras, à compra da refinaria de Pasadena, no Texas. Antes da abertura do mercado, a presidente já havia soltado nota em que confirmava o aval e jogava para a estatal a responsabilidade por estar insuficientemente municiada para aprovar a compra.
A despeito do aval a uma operação que já rendeu prejuízo de mais de US$ 1 bilhão à Petrobras, os papéis da estatal se mantiveram inalterados na abertura do mercado.
A nota parece ter sido motivada pela convicção dos conselheiros presidenciais de que Dilma desfrutou sua lua de mel com a classe média no auge da faxina da herança lulista, quando pôs sete ministros para correr, e manteve seus laços com esta fatia da opinião pública passando ao largo do julgamento do mensalão.
As redações logo se alvoroçaram com a informação, plantada e regada pelo entorno governista, de que a operação, além de ter sido capitaneada pelo ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli, tinha o dedo de José Dirceu. Trata-se de um seguro cordão sanitário em torno da presidente alinhavado nas cinturas de um pré-candidato derrotado ao governo da Bahia e de um réu da Papuda.
Menos de 24 horas depois vazaria a informação de que o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa era um dos 24 presos de uma operação contra lavagem de dinheiro deflagrada no início da semana pela Polícia Federal.
Formalmente indicado pelo PP, Costa tornou-se representante de um condomínio de partidos em que vicejou o PMDB. Em sua gestão casou o interesse de seus patronos com uma defesa intransigente da expansão das refinarias da Petrobras.
A estratégia presidencial começou a clarear. Mais do que jogar a herança maldita no colo dos já conhecidos perdedores, o Palácio do Planalto iniciava a operação de blindagem de Dilma contra a abertura de uma das caixas pretas da maior estatal brasileira que, na improvável possibilidade de ser inteiramente dissecada, pode fazer vítimas em todo o sistema partidário.
A passar por corrupta, Dilma preferiu correr o risco da inépcia. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que tem em sua jurisdição outra obra polêmica da Petrobras, a refinaria Abreu e Lima, ainda não se pronunciou, mas o senador Aécio Neves (PSDB) viu na denúncia uma oportunidade de renovar sua fé na ideia de que a maior carência nacional é de gestão. Num discurso de contundência longamente represada equiparou a presidente a uma 'gestora temerária'.
Os riscos assumidos por Dilma passaram desapercebidos pelo mercado. É verdade que havia pouca margem para queda num papel que só tem despencado, mas as notícias de que a estatal estaria às vésperas de ter suas vísceras expostas tampouco pareciam ser favoráveis à sua valorização. Pois foi isso que aconteceu com a aproximação do almoço e dos boatos de uma pesquisa que traria os candidatos da oposição na cola da presidente. Subiram junto com o papel de outras estatais alavancados pela expectativa de que a intervencionista presidente poderia ser destronada.
A Petrobras continuou a subir ontem quando já pareciam claros os riscos de a disputa sucessória ser contaminada pelos desmandos da estatal. Quando o Ibope saiu com um cenário sucessório que mantém expectativa de vitória de Dilma em primeiro turno o mercado já tinha fechado. Não há dúvidas de que foi uma semana de oportunidades.
Foi para estancar um movimento parecido que em 2002 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva soltou aquela carta prometendo ser fiel aos mercados todos os dias de seu governo. Desta vez é diferente porque não se trata de influenciar expectativas, mas de mudar opiniões formadas ao longo de três anos e quase três meses de governo.
São opiniões azedadas pelo excesso de criatividade com a qual o governo lida com o represamento da inflação e a geração de superávit, mas também pela agressiva concorrência de estatais bombadas em diversos setores da economia, a começar do financeiro.
Como os indicadores de PIB, inflação e emprego não referendam o caos, todas as atenções se voltam para aqueles indicadores menos palpáveis que medem a percepção do eleitor ao longo da campanha.
Esta percepção deriva da evolução da renda do eleitor, da qualidade dos serviços públicos que lhe são ofertados e das mudanças que acalenta para os quatro anos seguintes. É formada ao longo de anos e pode se modificar com a campanha, mas não com a velocidade e a avidez de quem prospecta oportunidades para ganhar dinheiro.
À altura
Na campanha de 1994, quando o Brasil inteiro se curvava ao Real, Luiz Inácio Lula da Silva arrumou abrigo para encerrar seu périplo eleitoral no palanque do então candidato ao governo de Pernambuco, Miguel Arraes. Foi em sua companhia que, em 1989, Lula ergueu barricada contra Fernando Collor de Mello. Pernambuco lhe deu a maior votação no 1º turno daquela eleição
A insinuação feita por Lula de que o neto de Arraes guarda semelhanças com Collor mostra que a política trata de interesses. O de Lula é jogar a isca para Campos. O governador vai bem no eleitorado que ainda acende velas para o ex-presidente. Na primeira resposta que deu a Lula, Campos usou a metáfora que marcou a eleição petista, da esperança que venceu o medo. Na segunda, disse não acreditar que o ex-presidente o tenha comparado a Collor. Em ambas, com sutileza, mostrou que Lula arrumou um adversário à altura.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
Fonte: Valor Econômico
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