André Borges – Valor Econômico
BRASÍLIA - A admissão pelo Palácio do Planalto de que a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras foi forjada com base em um relatório "técnica e juridicamente falho" conseguiu turbinar uma polêmica de alcance explosivo. Para o Tribunal da Contas da União (TCU), que investiga o caso, as declarações do governo sugerem a possibilidade de ter havido fraude na transação. No Congresso, a oposição partiu para o ataque e exigiu explicações da presidente Dilma Rousseff e de diretores da Petrobras. À noite, o líder da minoria, Domingos Sávio (PSDB-MG), começou a recolher assinaturas para um projeto de resolução que institui uma CPI para investigar a compra e venda de ativos da Petrobras no exterior.
Ontem, em reportagem publicada pelo jornal "O Estado de São Paulo", a Presidência da República admitiu, pela primeira vez, que a aquisição de 50% das ações da refinaria de Pasadena, em 2006, foi autorizada por Dilma Rousseff, que à época presidia o Conselho de Administração da Petrobras e era ministra da Casa Civil. Só depois de consumada a transação, no entanto, é que Dilma e demais conselheiros teriam sabido que o "resumo executivo" usado para aprovar a aquisição omitia duas regras vitais da operação: a cláusula "put option", que garantia a possibilidade de sua sócia na refinaria, a empresa belga Astra Oil, vender sua participação em caso de desentendimentos com a Petrobras; e a cláusula "marlim", que garantia aos belgas um lucro anual de 6,9%, seja qual fosse a situação do mercado. "Se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho", declarou o governo, que atribuiu diretamente a responsabilidade pelo elaboração do resumo ao então diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, que hoje é diretor de finanças da BR Distribuidora.
As declarações surpreenderam o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Jorge, relator de um processo que apura a aquisição da refinaria instalada no Texas. Ao Valor, José Jorge disse que as revelações são "extremamente graves" e que é preciso apurar indícios de fraude na transação. "O Palácio colocou um fato novo na investigação. Até agora, o que se pensava era que a auditoria era feita em cima de documentos efetivos, reais, e que se tratava de um negócio mal feito, onde a Petrobras perdeu muito dinheiro. Agora, acrescenta-se a isso o fato de que, aparentemente, pode até ter ocorrido uma fraude", disse o ministro.
Desde 2012, a aquisição de Pasadena é investigada pelo TCU, por conta de sua transação financeira. Em 2005, a refinaria foi comprada pela Astra Oil por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, a Petrobras entrou no negócio ao desembolsar US$ 360 milhões por 50% da refinaria. A partir daí, as sócias mergulharam em conflitos judiciais. Os belgas, então, exerceram a cláusula "put option", para vender a segunda metade do negócio. A Petrobras negou a oferta e a disputa seguiu na Justiça, até que a Câmara Internacional de Arbitragem de Nova York decidiu que a estatal tinha obrigação de aceitar o negócio, o que levou a Petrobras a sacar mais US$ 820,5 milhões pelo controle de 100% da refinaria. Por um custo total de US$ 1,18 bilhão, 25 vezes o preço pago pela Astra Oil, a estatal comprava uma operação que sequer tinha condições de refinar seu óleo, muito pesado para a estrutura da refinaria.
No ano passado, a presidente da Petrobras, Graça Foster, relatou a ministros do TCU que teria recebido propostas de venda da refinaria entre US$ 50 milhões e US$ 200 milhões, mas rejeitou as ofertas.
No Congresso, o senador e pré-candidato à presidência Aécio Neves (PSDB-MG) destacou a "aprovação direta e pessoal" da operação por Dilma e afirmou que o responsável pelo parecer da operação, Nestor Cerveró, então diretor internacional da Petrobras, não foi afastado e nem foi investigado. "Ele foi promovido. Infelizmente, é a forma como o PT trata os cargos públicos", declarou Aécio.
O líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR), protocolou nas comissões de Fiscalização e Controle e de Relações Exteriores um pedido para ouvir Nestor Cerveró. "É de se estranhar que a presidente Dilma, chamada de 'gerentona', tenha aprovado essa compra milionária sem ler o contrato. Mais estranho ainda é só agora, oito anos após o episódio, ela ter admitido que foi induzida a erro por um parecer falho".
Um pedido de explicações à presidente também será proposto ao plenário da Câmara pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Nossa avaliação é que devemos apresentar um requerimento urgente à presidente para que ela responda quais foram as decisões que ela tomou após receber essa informação. Se ela não tomou nenhuma decisão sobre o que recebeu da diretoria da Petrobras, ela prevaricou, cometeu um crime", disse.
Na tentativa de defender Dilma das críticas dos oposicionistas, o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), declarou: "Ela foi de uma honestidade intelectual que muitos não tiveram."
Para o procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico, que analisa o caso desde 2012, é hora de apuração de responsabilidades. "Está claro que o negócio foi desastroso. Por isso, é necessário que se investigue a fundo as causas dessa omissão de informações, se houve ou não indução ao erro", disse Marsico ao Valor.
Além do TCU, o caso Pasadena já é investigado pela Polícia Federal e pelo Congresso, por suspeitas de superfaturamento e de evasão de divisas. A auditoria do tribunal deve ser concluída até o fim de abril. "O caso é grave. O que o Palácio afirma é que a diretoria executiva, quando encaminhou as informações ao conselho de administração, não o fez da maneira correta. Portanto, o conselho decidiu aprovar o negócio baseado em uma nota técnica equivocada. Isso traz a situação para uma esfera mais grave, que é a de ter aprovado um negócio desse vulto, com base em um parecer fraudado", comentou o ministro José Jorge.
Ontem, a Comissão de Agricultura da Câmara aprovou um requerimento para que o TCU investigue, também, as condições de aquisição pela Petrobras Biocombustíveis de 50% de duas usinas de biodiesel do grupo BSBios, em Passo Fundo (RS) e em Marialva (PR), em 2019 e 2011.
(Colaboraram Daniel Rittner, Raphael Di Cunto, Fábio Brandt, Cristiano Zaia, Rafael Bitencourt e Tarso Veloso)
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