Os ministros políticos do PT não conhecem o PMDB
O exercício político em torno da especulação sobre quem mais perdeu no período agudo de reação da bancada do PMDB da Câmara contra o governo Dilma, tendo como detonador a pressão do hegemônico PT para levar o partido às cordas na disputa eleitoral nos Estados e fazer maiorias do Congresso e dos governos, tem ignorado um dos principais personagens da trama.
A presidente e seu governo são perdedores, por princípio. Dilma resolveu topar parada, sem conhecer a localização das minas, com um deputado destemido, de métodos truculentos mas que coleciona resultados para a bancada que lidera e para os projetos que relata. Um dos trocos que lhe foram impostos foi deveras desafiador, com a aprovação de comissão para investigar a sua joia da coroa, a Petrobras, que precisa agora explicar-se ao Poder Legislativo.
A tréplica da presidente, ao nomear ministros que não atenderiam pleitos de deputados, foi desdenhada: a bancada já havia declinado da missão e anunciado formalmente que não fazia questão. As trocas ministeriais foram de pouca expressão e não tiraram o sono de um suplente. E ainda por cima levaram a presidente a cair num vespeiro pemedebista, a eterna rivalidade entre as bancadas da Câmara e do Senado.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, não perdeu oportunidade criada pelo governo e colheu rápido os restos da Câmara, nomeando o ministro do Turismo, que não constava no seu portfólio.
Portanto torna-se óbvio que a presidente sofreu derrotas em vários sentidos e tem agora que negociar obrigatoriamente com o lider da bancada rebelada, uma vez que ele relata os principais projetos de interesse do governo no momento.
Mas Dilma não perdeu o poder, a caneta, o governo, o mando. O perdedor mor foi Michel Temer, o vice-presidente da República, nominalmente o maior político do partido.
Entrou para a chapa numa aliança, à época, feita sob a garantia de que levava para ao PT um PMDB, finalmente, unido.
Temer nunca teve, porém, o poder real, sequer chegou perto das relações que tinham Marco Maciel com Fernando Henrique Cardoso ou José Alencar com Lula, alianças partidárias feitas com amigos escolhidos e impostos ao partido.
Desde o início do governo Temer sofre revezes consideráveis. Ainda está presente na memória do PMDB o telefonema que recebeu do então chefe da Casa Civil, Antonio Pallocci, repreendendo-o e passando um recado da presidente, com testemunhas do pito ouvindo-o ao lado do telefone, praticamente em público e em voz altíssima.
A unidade vendida na formação da chapa foi sendo corroída a partir do momento em que ficou claro que seu poder seria inexistente. O vice-presidente seria um subalterno, como de resto é todo o governo.
O vice passou apenas a receber missões de representar a presidente em viagens internacionais de pouca expressão e a ser usado como mensageiro para acalmar o PMDB nas reações quando se sente ameaçado.
O problema é que nem a presidente, nem seus articuladores políticos Aloizio Mercadante e Ideli Salvatti, conhecem o partido. Em plena ebulição da bancada e quando Renan já se candidatava a ficar com a vaga da Câmara no butim recordava-se que Mercadante, por exemplo, foi o único então líder de bancada de senadores a ir à tribuna do Senado pedir a Renan Calheiros que renunciasse ao cargo por desvios de conduta. Os ladinos sempre ganharam e continuam ganhando todas as paradas.
Por ser o portador da responsabilidade de dobrar o partido, que lhe foi atribuída por Dilma e seus coordenadores, Temer, exigido, mostrou que não comandava. Transitou do Palácio do Planalto para o Palácio Jaburu num leva-e-traz incessante. Foi desprestigiado, desautorizado, convocou o presidente do seu partido e os presidentes do Senado e da Câmara à sua casa para esperar uma reunião com Dilma, num domingo à tarde, mas ela os vetou. Só o vice-presidente foi convocado ao Alvorada para levar a mensagem dura aos demais que os esperavam em casa.
Temer não perdeu a preferência para figurar na chapa da reeleição, se PT e PMDB mantiverem a aliança eleitoral. Mas perdeu as ilusões.
Enfraqueceu-se. Está impedido de novamente vender a fantasia da unidade. E sabe que não conseguirá fazer-se entender ou levar a presidente e os seus próximos a compreenderem o PMDB, cujo valor não foi alterado: o partido tem o maior tempo de Televisão para a propaganda gratuita da campanha eleitoral; é uma sigla identificada pelo eleitorado em todo o país; é uma marca, controvertida, mas um marca forte; os grupos do partido nos Estados são sólidos e têm voz ativa nas negociações de alianças. Nem essas contas dão conforto a Temer: em São Paulo, seu reduto eleitoral, o PMDB quase acabou e chegou a ter apenas um deputado. E é justamente a bancada de onde é oriundo, a da Câmara, que produziu a mais recente exposição de sua fragilidade.
Entre os mistérios do PMDB, que o governo Dilma não consegue decifrar, por isso pressionam Temer a assumir a liderança partidária, dois se destacam: o jogo entre as bancadas da Câmara e do Senado e a solidez das lideranças estaduais. É difícil determinar o que deve fazer o PMDB do Ceará sem falar com Eunício de Oliveira, nem empurrar-lhe um ministério goela abaixo porque o governador do Estado não o quer concorrendo com seu candidato e Dilma precisa agradá-lo para pagar uma conta política.
Geddel Vieira Lima desnudou o governo ao exigir resposta para o seu pedido de demissão que dormitava sobre a mesa da presidente. Nada adiantou exigir de Temer que tirasse de Geddel um novo pedido, com a data atualizada, para não deixar mal o governo. Foi para não deixar mal o amigo que Geddel concordou em fazer nota "reiterando" pedido anterior. Foi o máximo de gentileza que se permitiu. Estará igualmente vivendo uma fantasia quem disser que controla o PMDB do Paraná e dita os rumos de Roberto Requião.
Moreira Franco é do PMDB do vice-presidente, do governo governista, ocupa um ministério importante, mas não tem conseguido explicar a seus pares o xis da atual questão. Comporta-se de forma definida por seus interlocutores como hermética. Não há outros ministros com ligações partidárias fortes.
Temer nunca foi o denominador comum desse arquipélago. E o governo nunca procurou, nele, o canal para decifrar o enigma. Acha que sabe e apenas manda recados a um PMDB que está onde sempre esteve, no governo e na oposição.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
Fonte: Valor Econômico
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