RDC é paredão contra o controle e a fiscalização
- Valor Econômico
Autocrática, voluntarista e desrespeitosa é a política do governo na sua relação com os órgãos de regulação e fiscalização da administração pública e aplicação do dinheiro do contribuinte. Desde sempre. Quer comandar a sua configuração, funcionamento, composição e ações. Desde o primeiro dia o PT agiu para restringir as agências reguladoras, que foram sendo questionadas, esvaziadas de suas funções e de sua concepção e quadro de pessoal, e aparelhadas para servir à política, até chegar a como estão hoje, uma sombra do Executivo. Os atropelamentos se sucedem sem que se note o mais leve constrangimento das autoridades.
Às vezes, o governo se volta para um órgão de controle que considera estar atrapalhando seus planos, e nele concentra sua artilharia. Em outras, fragmenta o tiro. Assim, até o inexpugnável Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), hoje dirigido por um militante da legenda, acabou entrando na dança do debate partidário.
Mas não há perda de nenhuma oportunidade quando se trata de atacar, aprisionar e pressionar o Tribunal de Contas da União. No alvo, de novo, como em tantas vezes, está o TCU, neste exato momento.
As tentativas de aparelhamento da Corte de Contas se frustraram uma após outra, por milagre. Até o corpo técnico do tribunal tem reagido às tentativas do governo e de partidos aliados de mobiliá-lo ao modelo de casa da mãe joana, sinal do desprezo com que encaram a fiscalização que ali se pratica.
No último ataque ao TCU, a indicação do senador Gim Argello, réu em quase uma dezena de processos contra a administração pública, os ministros atuais também acorreram, de forma inédita, ao abraço protetor para reforçar os servidores. Houve recuo da investida, não desistência.
Está próximo, porém, o xeque mate do governo, a ampliação desmesurada do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), criado como exceção para as obras da Copa do Mundo e que, como tantas outras exceções, no Brasil, se ampliaram e perenizaram pelo facilitário que representam para os administradores públicos. Em lugar de reformar a lei de licitações, a arcaica 8666, criando instrumentos administrativos mais modernos porém seguros para a lisura dos procedimentos, impeditivos de facilidades indevidas, o PT e seus aliados preferiram abrir as porteiras, espalhar regras como benesses, levando a exceção nas contratações, primeiro, para as obras da Copa, depois para o PAC, agora, no projeto em votação final, para tudo.
De nada serviram as reações dos órgãos especializados, os alertas de quem entende dos escaninhos ocultos das licitações. O governo empurrou o RDC à sua base. Mas nem por isso as obras da Copa se aceleraram, nem o PAC conseguiu resultados diferenciados, exatamente ao contrário do que diz a propaganda do novo regime.
A ampliação do RDC e seu significado para os órgãos de fiscalização e controle de licitações e contas do governo, não surpreendeu o TCU, que resiste, porém, a se vergar em definitivo.
Ao contrário, prepara-se a Corte para também ampliar seu espectro de ação, não ficar apenas nas questões da legalidade, que ainda consomem 70% de suas tarefas, mas imiscuir-se na qualidade do serviço público. Quer aperfeiçoar seus serviços, estabelecer um diálogo com todo o país, mudar a concepção de suas tarefas, entrar mais diretamente no conteúdo do serviço prestado.
O TCU quer difundir as boas práticas administrativas. Em novembro deste ano prepara-se para apresentar aos eleitos de outubro o que identificou como os principais gargalos administrativos. Quer fazer cumprir a lei. Para o TCU, não é o tribunal que trava o país. O que impede o desenvolvimento é a incapacidade de fazer projetos, planejar, superar as fragilidades de gestão. A Corte de Contas já estendeu sua ação para as áreas da gestão de educação, de saúde, de segurança, da previdência, onde procura seguir o trajeto das verbas até o fim de sua aplicação.
São 12 milhões de funcionários públicos no Brasil, fora de qualquer sistema de avaliação de mérito. Os indicadores gritam por todos os lados: há seis meses, o tribunal mostrou ao governo que havia 500 mil mortos recebendo aposentadoria e 300 mil mortos, 50 mil proprietários de automóvel e 80 mil proprietários de terra recebendo bolsa família. Apenas um resultado, um exemplo da nova modalidade de trabalho qualitativo do tribunal. As auditorias do TCU se tornaram institucionalizadas também para as políticas públicas, e não apenas para obras, e os primeiros resultados já apareceram e foram entregues às autoridades: a gestão pública vai mal, sem exceção digna de registro.
O TCU está partindo para melhorar o que tem chamado, nos seminários internos e também internacionais, de governança, em que a cúpula da instituição quer engajar seus 2,7 mil funcionários, 1,7 mil auditores, mil técnicos.
Hoje, está em condições de mostrar ao Congresso Nacional, do qual é órgão auxiliar, a incompetência do Estado em todos os níveis, os ínfimos resultados das políticas públicas. Não há RDC que consiga esconder esse cenário.
Uma informação da pesquisa MDA para a Confederação Nacional dos Transportes, divulgada ontem, intrigou os filiados ao movimento Volta, Lula. Na enquete espontânea sobre intenção de voto, o ex-presidente Lula aparece atrás de Aécio Neves, quase na lanterninha. Além das dúvidas sobre como se chegou a esse resultado, e da suspeição de sempre em se tratando de pesquisa patrocinada, a primeira interpretação foi que Lula já estaria perdendo o glamour, o carisma, o voto emocional e automático, teria quebrado o seu encanto. Tanto que suas duas últimas intervenções - a entrevista aos blogueiros petistas em que ataca a imprensa, e a entrevista em Portugal em que ataca o Supremo Tribunal Federal - teriam sido prova de seu nervosismo com os revezes do partido nos cenários eleitorais. O ex-presidente estaria mesmo jogando tudo para o alto? Nunca, nada disso, na opinião de quem entende de Lula e de pesquisa. Ficou atrás porque seus eleitores não o identificam ainda como candidato, e a pesquisa espontânea não apresenta os nomes para lembrá-los. Mas continua candidatíssimo. O ex-presidente poderá entrar, a qualquer momento, pela porta que sempre deixa aberta quando nega a candidatura: em política, não se pode dizer nunca.
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