A recepção da obra de Antonio Gramsci e o diálogo com seu legado estiveram apoiados em movimentos nem sempre entrelaçados ou simultâneos. A rápida disseminação dos textos de Gramsci colaborou para a diversificação desses movimentos, até mesmo porque se fez acompanhar de uma forte inflexão acadêmica que converteu esses textos em passagem quase obrigatória de certas disciplinas especializadas.
Hoje, em linhas gerais, dois grandes esforços de reconstrução organizam o vasto campo de estudos gramscianos. Antes de tudo, tem-se buscado reter a contribuição teórica e conceitual do marxista sardo, mediante abordagens que seguem as trilhas da epistemologia ou a tradução do aparato conceitual introduzido por Gramsci especialmente nos Cadernos do cárcere (1929-1935). O segundo movimento de reconstrução tem buscado o Gramsci prático, o dirigente político, e segue seus passos como militante socialista na juventude e líder comunista depois da formação do PCI em 1922.
O livro de Leonardo Rapone mergulha fundo num esforço para reunir, de forma histórico-sistemática, biografia intelectual e biografia política. Seu foco é o Gramsci da juventude, em um período de formação (1914-1919) que, como sempre, deixou-se marcar por muitas influências teóricas e políticas: Benedetto Croce, Henri Bergson, Georges Sorel, Robert Michels, Antonio Labriola, Max Weber. Em meio a essas influências cruzadas, é preciso descobrir o fio lógico que acabou por prevalecer, estruturando seu pensamento e forjando sua identidade.
Valendo-se da argúcia de pesquisador e de um sofisticado aparato especializado, Rapone acompanha Gramsci do aprendizado universitário à Primeira Guerra, à Revolução Russa e aos conselhos de fábrica, buscando entender o impacto que esses grandes acontecimentos tiveram em sua formação, em sua desprovincianização e em sua adesão ao socialismo. Do amplo diálogo intelectual que o jovem Gramsci manterá até seu encontro com o marxismo (e com Lenin em particular) emergirá o pensador antipositivista, hostil a determinismos estruturais rígidos, fascinado pela dimensão da vontade e da iniciativa humana, atento ao peso dos conflitos e das lutas de classes, um apaixonado observador da história de sua época.
Descortina-se, assim, a formação de um militante e um intelectual que, com o tempo, passa a compreender e a valorizar o lugar da política e do Estado na transformação social e na modelagem daquilo que, para ele, seria a “sociedade regulada”.
O belo livro que o leitor tem em mãos oferece uma plataforma decisiva para que se possa compor uma imagem unitária de Gramsci.
Marco Aurélio Nogueira Professor de Teoria Política da Unesp
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