A renúncia do Rei da Espanha, Juan Carlos de Bourbon, anunciada na manhã de 02 de junho, impactou profundamente a opinião pública espanhola, europeia e mundial. Em função da extensa e persistente crise que vive a Europa, a renúncia de um chefe de Estado não é de pouca monta, especialmente num país como a Espanha que não é monarquista por vocação, como lá se acostumou dizer desde que a Monarquia foi restaurada depois do franquismo. O rei Juan Carlos jogou um papel fundamental de estabilização na transição da ditadura para a democracia bem como se estabeleceu como uma figura simbólica de garantia do acordo entre as forças políticas do país para que a democracia espanhola se consolidasse e a Espanha ingressasse definitivamente no concerto europeu e se estabelecesse como um player importante no processo de construção da União Europeia.
Os longos anos da ditadura de Francisco Franco foram estabelecidos sob os escombros de uma guerra civil dilacerante, entre 1936 e 1939, que colocou por terra a chamada II República. Além da violência continuada do regime, um dos resultados mais negativos do franquismo havia sido o isolamento do país da dinâmica econômica, política e cultural de reconstrução da Europa do pós-guerra. A superação deste isolamento e da fratura instituída pelo franquismo entre as chamadas “duas Espanhas” – uma franquista e outra “comunista” – se deu no processo de transição pactada à democracia, que se inicia em 1975 com a morte de Franco, de cujo núcleo dirigente participou o rei Juan Carlos. Hoje, com o fim abrupto do seu reinado, em meio à crise e a um processo recente de fragilização do regime monárquico, não serão poucos os espanhóis que sairão às ruas para pedir a mudança do regime, advogando o estabelecimento de uma III República.
Este talvez seja o ruído mais dissonante a ser ouvido de dentro dos palácios que serão o cenário da passagem do trono para as mãos de Felipe VI, herdeiro do rei renunciante – sucessão que parece se configurar como fato consumado, no aguardo do transcurso dos dias. De qualquer maneira, a despeito das ruas, é muito pouco provável que a III República consiga triunfar numa conjuntura como essa porque a crise da abdicação não se instalou como uma crise de Estado que a pudesse demandar. Entretanto, a conquista de uma nova legitimação para a Monarquia, especialmente entre os jovens espanhóis, parece ser o principal desafio que terá pela frente Felipe VI.
Não é de hoje que a Monarquia é encarada como uma instituição ultrapassada. Na Espanha, o juancarlismo foi, por quase 40 anos, um dos seus sustentáculos e lhe garantiu vitalidade na fase ascendente da conquista da transição e de consolidação da democracia. Contudo, no cenário de crise dos últimos anos, o clima e os humores da sociedade mudaram e os espanhóis, “cabreados”, já não alçam a voz com tanto entusiasmo para dizer “vida longa ao novo Rei”!
*Alberto Aggio é professor titular da UNESP/Franca
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