- Correio Braziliense
Passada a Copa, a eleição vai aos poucos tomando conta da cena nacional. Esta promete ser uma eleição mais disputada que as últimas. Uma evidência disso é que a líder nas pesquisas chega a esta etapa em posição menos favorável do que em 2006 e 2010, em termos das taxas de preferência e rejeição do eleitorado. A simulação de segundo turno também mostra um quadro mais competitivo.
Em que medida o acirramento da disputa eleitoral apontado pelas pesquisas pode ser atribuído ao quadro econômico, menos positivo em 2014 do que há quatro anos? Minha visão é que essa influência é significativa.
Em 2010, quando a presidente foi eleita, suas intenções de voto oscilavam em torno de 50%. Nesse ano, o PIB cresceu 7,5%, com alta de 10,1% no setor da indústria de transformação e expansão de 21,3% do investimento. O consumo das famílias aumentou 6,9%. Na média de agosto a outubro de 2010, o salário médio ficou 6,7% acima do registrado um ano antes, já descontada a inflação. Na mesma comparação, o crédito às pessoas físicas teve expansão real de 16%, enquanto a inflação em 12 meses foi de 4,8%. Não surpreende, assim, que, em outubro de 2010, a confiança do consumidor estivesse próxima do pico da série histórica.
A economia se aproxima das eleições de 2014 com uma dinâmica bem menos favorável. Tudo indica que este ano o PIB vai crescer 1% ou menos, a indústria de transformação vai sofrer forte contração, assim como o investimento, e o consumo das famílias expandirá menos de 2%. O salário real deve chegar às eleições aumentando, mas em ritmo bem menor do que em 2010. O crédito às famílias também cresce bem menos, especialmente se descontado o crédito imobiliário. A inflação à época das eleições estará girando próxima a 6,5%. Mais endividado e menos animado com as perspectivas da economia, o consumidor chegará às eleições com nível de confiança bem mais baixo do que há quatro anos.
Igualmente importante é que o mal-estar associado a essa deterioração é profundo e disseminado. Isso porque o estrago não resulta de um choque pontual. Pelo contrário, é contínuo: este é o quarto ano seguido de crescimento baixo e inflação alta, que só não é maior devido ao represamento de preços administrados, como os de combustíveis e energia elétrica. O Brasil foi aos poucos para uma inflação de 7% e 1% de crescimento. Não é um quadro que evoque boas lembranças. Não à toa os eleitores querem mudanças, mostram as pesquisas.
Por seu lado, a economia também joga a favor da reeleição, explicando em parte a liderança da presidente nas pesquisas. Isso porque, apesar da dinâmica ruim, a situação econômica, fora da indústria de transformação, ainda apresenta alguns indicadores positivos.
O baixo desemprego e os salários elevados são os fatores mais positivos. Na média do primeiro semestre de 2014, a taxa de desocupação foi mais de dois pontos percentuais inferior à de quatro anos antes. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, essa taxa caiu para apenas 3,6%. Os eleitores veem um risco baixo de ficarem sem emprego. Enquanto isso, o salário por hora trabalhada subiu 13% acima da inflação. Nas regiões metropolitanas de Recife e Rio de Janeiro, a alta dos salários superou 20%; em São Paulo, porém, foi de %u201Capenas%u201D 9%.
Em parte, alguns desses bons resultados são fruto das distorções que tornam a dinâmica da economia tão ruim. Por exemplo, a alta do rendimento real e a queda do desemprego refletem parcialmente a defasagem dos preços administrados e a expansão do crédito público, esta alcançada à custa do aumento da dívida pública bruta.
Parte da explicação para alguns desses bons indicadores advém do cenário externo ainda benigno. Refiro-me aqui ao baixíssimo custo de financiamento externo viabilizado pelas políticas de afrouxamento monetário dos bancos centrais dos EUA, da Europa e do Japão, e os preços de exportação em patamar bastante elevados: em dólares, 18% mais altos do que quatro anos atrás. Não fossem esses fatores, o real estaria mais desvalorizado, os salários reais seriam mais baixos e o nível de consumo teria piorado.
A economia vai continuar influindo na eleição, talvez se tornando o tema principal. Mas não é claro se vai prevalecer a preocupação com a dinâmica ruim ou os indicadores ainda bons. Em parte, isso dependerá da capacidade de cada lado construir uma narrativa que realce o ângulo que lhe é mais favorável.
Coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)
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