• Pesquisa mostra pouco interesse na corrida eleitoral
- Valor Econômico
A corrida eleitoral começou no contexto de uma vexatória derrota da seleção brasileira na Copa. No governo ou na oposição a expectativa é de uma grande politização do evento, na tentativa de atribuir a este ou aquele a responsabilidade pela maior goleada sofrida pela seleção em plena semifinal, em um campeonato organizado no Brasil. Natural esta politização da Copa, visto que os protestos de junho passado já apontavam nessa direção. Alhures, o problema não foi o desempenho no futebol, mas o conjunto dos acontecimentos ao longo da preparação do evento.
Difícil dizer se esta derrota impactará as escolhas eleitorais. Aos mais insatisfeitos com o governo da presidente Dilma, certamente essa derrota impulsionará a insatisfação. Ou seja, para aqueles que já estavam insatisfeitos com o governo, esta derrota aumentará ainda mais a insatisfação, sendo o governo o culpado natural pela goleada imposta à seleção brasileira. Nesse sentido, a inferência de que o resultado do futebol afeta a eleição para presidente é falsa, porque apenas impulsiona uma insatisfação que já existia em um estrato da população. Futebol à parte, a corrida eleitoral começa com um dado bastante interessante, na última pesquisa Ibope.
Conforme os dados da pesquisa, apenas 16% dos entrevistados apresentam muito interesse na próxima eleição. Na amostra da mesma pesquisa, 55% revelam pouco ou nenhum interesse na próxima eleição. Este interesse pela próxima eleição diminui entre os estratos de menor renda e escolaridade. Este dado, por si, não revela um desinteresse do cidadão pela política. Revela mais um contexto da conjuntura política em que a eleição, por si mesma, não ressalta diferenças significativas entre candidatos ou partidos. Por efeito de governos sucessivos que conseguiram implantar uma agenda de desenvolvimento, seja com o controle da inflação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, seja com as políticas sociais, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil parece ter entrado no rumo. As desigualdades diminuíram, ampliou-se o bem-estar e os fundamentos econômicos funcionam razoavelmente bem. Contudo, isso não diminui os desafios impostos aos próximos governos.
Engana-se quem pensar que esse dado revela indiferença dos eleitores com a política. Revela mais um estado de espírito, em que candidatos já escalados pelos partidos e o próprio debate público não conseguem especificar uma clara agenda para os próximos anos, a qual sinalize para os eleitores quais os rumos e as estratégias que serão adotados pelos governos. Num contexto de relativa prosperidade, o interesse pela política diminui uma vez que as necessidades batem menos à porta. Aumenta, contudo, a atenção para a qualidade dos governos. Desde as manifestações de junho de 2013 este problema está posto. Como melhorar a qualidade do serviço público prestado por governos aos cidadãos por meio de políticas públicas mais eficientes e eficazes para enfrentar os problemas sociais?
Nesse contexto, as dificuldades dos partidos e dos candidatos para convencer os eleitores são maiores. Exige deles clareza nos objetivos e nas estratégias, visando a manter em movimento a rota de mudanças sociais. Ou seja, a pergunta fundamental que circundará a próxima eleição é: como manter o desenvolvimento sinalizando mudanças de rumo e enfrentar os problemas da qualidade do governo? Responder a esta pergunta de forma clara ao eleitor será a chave para alavancar a sucessão. Esta conjuntura de pouco interesse pela próxima eleição aponta mais um estado de latência do que indiferença do eleitor. E será esse estado de latência o determinante da corrida eleitoral. Não bastarão afirmações abstratas para repensar o Brasil sem esclarecer a direção, ou soluções mágicas tiradas da cartola de marqueteiros. A conjuntura revela que esse estado de latência precisa ser considerado por partidos e candidatos no processo de sucessão presidencial.
Sendo assim, a conjuntura imporá aos candidatos a manutenção do movimento inaugurado no processo de democratização com mudanças de rumo na direção. Ou seja, há claramente a necessidade de uma nova agenda política que indique a continuidade do movimento com maior prumo do governo para vencer questões estratégicas. Dentre estas questões estratégicas, algumas se impõem de modo contundente. Em primeiro lugar, como conter e vencer o rentismo do setor financeiro, fazendo ampliar o crédito e o investimento do setor produtivo? Em segundo lugar, como assegurar que os ganhos de bem-estar resultem em redução das desigualdades econômicas e sociais mais efetivas, assegurando ampliação da justiça social? Em terceiro lugar, como assegurar novos patamares de investimento em educação que resultem em avanços significativos em tecnologia e serviços? Em quarto lugar, como reformular o serviço público de forma a apresentar ganhos de eficiência sem prejuízo dos investimentos sociais realizados?
Manter o movimento com mudanças claras na direção. Eis a questão. A realidade é bem mais dura e complexa do que uma derrota sofrida por sete gols. Do contrário, a latência poderá dar lugar à inércia, criando a sensação de que tudo está indo muito bem. O problema será se o movimento começar a ir para trás.
Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenador e pesquisador do Centro de Referência do Interesse Público (Crip)
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