sexta-feira, 11 de julho de 2014

Após vexame, governo quer intervir no futebol

• Na esteira da eliminação na Copa, ministro defende uma mobilização do Estado para reerguer o esporte. Em outra frente, projetos adormecidos no Congresso devem voltar à pauta. Especialistas dizem que apoio oficial não deve ser restrito a uma modalidade

Paulo de Tarso Lyra, André Shalders e Marcos Paulo Lima – Correio Braziliense

BRASÍLIA e RIO DE JANEIRO — Ainda em busca de explicações para o vexame na semifinal da Copa do Mundo, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, defendeu ontem que o Estado deve promover uma intervenção, ainda que de maneira indireta, para a ajudar na reconstrução do futebol brasileiro. Segundo ele, não é momento de caça às bruxas, mas de mudanças com eficiência. "Eu sempre defendi que o Estado não fosse excluído por completo do futebol. Portanto, nós precisamos de uma intervenção indireta. Necessitamos de uma reforma na lei que dê ao Estado a atribuição de regular", disse o ministro. Especialistas, entretanto, afirmam que o apoio estatal deve ser para todos os esportes, não apenas ao futebol.

Aldo criticou um dos antecessores na pasta, ainda durante o governo Collor: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. "A Lei Pelé tirou do Estado qualquer tipo de poder de atribuição e poder de intervenção", lamentou. "Se dependesse de mim, não teríamos tirado o Estado completamente dessa atribuição e, no que depender de mim, parte dessa atribuição voltará". O ministro não deixou claro qual seria o limite dessa estatização.

Segundo Aldo, durante o regime militar, houve pressão para que o governo se afastasse do esporte. "Surgiu um clamor para que o Estado deixasse de influenciar o futebol, mas esporte, futebol, é um tema de interesse público. Nós precisamos resgatar o protagonismo. Não é o nosso papel apontar quem deve ser o presidente da CBF, mas podemos colaborar nessa reconstrução", afirmou.

No entanto, algum movimento do gênero pode ter consequências além do gramado doméstico. No início da semana, a Fifa suspendeu a seleção e qualquer time da Nigéria de todas as competições internacionais após o presidente do país destituir o chefe da confederação de futebol por conta da greve dos jogadores durante a Copa.

Até a presidente da República entrou no debate. Em entrevista à rede norte-americana CNN, Dilma Rousseff defendeu a renovação do futebol brasileiro, embora não tenha mencionado o aumento da presença do Estado no esporte. "Quando eu falei que o futebol brasileiro deveria ser renovado, o que eu quis dizer é que o Brasil não pode mais ser apenas exportador de jogadores. Exportar jogadores significa que estamos abrindo mão de nossa principal atração, que pode ajudar a lotar os estádios."

Commodities
Especialistas ouvidos pelo Correio defendem o diagnóstico, mas discordam das medidas propostas para sanar os problemas. Cientista político e professor da PUC do Rio de Janeiro, Cesar Romero Jacob afirma que o futebol brasileiro se assemelha ao modelo econômico do país, que "ainda depende da exportação de commodities e não de produtos manufaturados". "Exportamos os jogadores, muitos ainda nas divisões de base, e importamos os pacotes televisivos dos campeonatos espanhol, italiano, francês e alemão", comparou.

O coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol da Universidade Federal de Viçosa, Israel Teoldo, admite que o futebol é um bem público e que merece receber atenção especial. Mas, na opinião dele, não adianta a repetição do modelo atual de injeção de recursos ou de isenções fiscais para minimizar as dívidas dos clubes. "Deveríamos reproduzir os modelos alemão e norte-americano, pelos quais as universidades contribuem com a formação de atletas, de gestores e de treinadores. Esse deveria ser o papel do Estado: promover a interação entre escola, academia e esporte." Ele ressalta, contudo, que essa parceria deve acontecer em todos os esportes, principalmente nos amadores.

Legislação
O debate sobre mudanças na gestão do esporte, que voltou à tona com a eliminação brasileira na Copa, também deve ser retomado no Congresso. Na Câmara, vários projetos sobre futebol aguardam a entrada na pauta de votações. A maioria das propostas visa melhorar a gestão dos clubes, em grande parte atolados em graves crises financeiras. A iniciativa mais avançada atualmente é o PL n° 5.201/ 2013, anteriormente conhecido como Programa de Fortalecimento do Esporte (Proforte), e que previa o cancelamento das dívidas dos clubes. No substitutivo aprovado em comissão especial, o perdão foi substituído pelo parcelamento dos débitos trabalhistas e previdenciários, que seria concedido aos clubes que fizessem mudanças na gestão.

Segundo o autor do substitutivo, deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), o texto "trata de vários problemas que afetam hoje o nosso futebol, a começar pela crise de gestão pela irresponsabilidade administrativa". Para o tucano, a derrota histórica pode acelerar a tramitação dos projetos sobre o tema no Congresso. "O governo tem maioria na Casa, vamos ver se eles aceleram a votação."

Almoço pré-final
A presidente Dilma Rousseff almoçará no domingo, no Rio de Janeiro, com cerca de 15 chefes de Estado que estarão no Brasil para assistir ao jogo entre Alemanha e Argentina, na final da Copa do Mundo. Entre as autoridades que confirmaram presença até ontem, estavam os presidentes da África do Sul, Jacob Zuma; da Rússia, Vladimir Putin; do Congo, Denis Sassou-Nguesso; da República Democrática do Congo, Joseph Kabila; da Hungria, János Áder; do Haiti, Michel Martelly; e a chanceler alemã, Angela Merkel.

"O papel do Estado deveria ser promover a interação entre escola, academia e esporte"
Israel Teoldo, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol da Universidade Federal de Viçosa

A bola no papel/ Confira seis projetos sobre futebol que tramitam na Câmara

Dívidas dos clubes
» Dá prazo maior e condições diferenciadas para o pagamento das dívidas tributárias e trabalhistas dos clubes mediante mudanças de gestão. O PL n° 5.201/2013 também cria um fundo para o fomento da iniciação esportiva. É o principal projeto sobre o tema no Congresso neste momento e está pronto para ser votado no plenário da Câmara.
Mais impostos sobre a CBF

» O PL n° 5.593/2013 aumenta a tributação sobre os lucros da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e destina o dinheiro ao pagamento de pensões para ex-atletas e para a formação de jogadores. De autoria do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), está parado na Comissão de Esportes.

Direitos de transmissão
» Apresentado pelo líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), para tornar mais equânime entre os clubes a distribuição da renda da transmissão televisiva dos jogos, o PL n° 2.019/2011 acabou retirado após resistências, mas deve ser reapresentado em breve.

Futebol feminino
» O PL n° 5.307/2013 estabelece que pelo menos 5% dos patrocínios oferecidos por empresas públicas a times de futebol sejam repassados às equipes femininas dos clubes. O projeto é de autoria de José Stédile (PSB-RS) e está pronto para votação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP).

Fim dos portões fechados
» De autoria do deputado Marcelo Matos (PDT-RJ), o PL n° 5.351/2013 estabelece que somente os torcedores envolvidos diretamente em atos de violência fiquem impedidos de acessar os estádios nos jogos seguintes, acabando com a prática de punir clubes com a proibição de presença de torcedores, o que afeta a renda.

Benefícios para treinadores
» O PL n° 7.560/2014, apresentado pelo deputado José Rocha (PR-BA), cria benefícios para treinadores de futebol. Os profissionais teriam direito, por exemplo, a uma duração mínima de seis meses nos contratos com os clubes. Apresentado em maio, o projeto ainda aguarda a escolha do relator na CTASP.

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