• Trincheira de Marina não é uma cidadela inexpugnável
- Valor Econômico
Assediada em cada flanco pela campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff, a trincheira de Marina Silva aposta numa disputa em igualdade de condições no segundo turno. De acordo com dirigentes da campanha do PSB, o tom da candidata já mudou nos últimos três dias, ficou mais agressivo. Mal deu para notar. Sob fogo cruzado, a cidadela marinista mostrou que não é inexpugnável. A candidata já esteve em posição bem mais confortável nas pesquisas de opinião pública, mas tem abusado do direito de errar. Agora mesmo seus correligionários parecem divididos sobre qual deve ser o tom adequado para enfrentar os ataques encaixados pela bem articulada ofensiva da campanha presidencial. E já não há mais tempo para erros.
Marina errou ao deixar prosperar a ideia de que não considerava o projeto de exploração do pré-sal, carro-chefe do programa (prometido mas nunca divulgado) de Dilma, uma prioridade em seu eventual governo. Uma das peças mais fortes da propaganda do PT, tanto no rádio quanto na televisão, é a fala em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que "quem é contra a riqueza do pré-sal é contra o futuro do Brasil". É inimaginável acreditar que Marina possa ser contrária a aplicação de alguns trilhões na educação, como Lula faz crer, mas bom senso é algo que não se deve esperar do ex-presidente solto no palanque eleitoral.
Marina nunca disse que é contra a exploração do pré-sal, no entanto, a visão que ela tem do futuro do petróleo, um combustível fóssil, certamente não será a mesma de Lula e Dilma. Talvez por isso o engôdo feito pela campanha presidencial tenha alcançado resultados, como mostraram as pesquisas da última semana: Dilma parou de cair e até recuperou pontos perdidos para Marina Silva.
Outro erro da candidata do PSB foi a negligência com que tratou da independência do Banco Central (BC), proposta que herdou de Eduardo Campos, o candidato morto em acidente aéreo em 13 de agosto. A própria candidata não tem certezas definitivas sobre os modelos de independência em estudo em seu comitê. No pior momento, até agora, da disputa eleitoral de 2014, a campanha de Dilma aproveitou-se para relacionar a independência do BC com a ganância dos banqueiros e a falta de comida à mesa dos mais pobres. Deu "aderência" e fez uma mistificação passar por verdade. Colou.
Os irmãos Cid e Ciro Gomes (Pros-CE) entraram no debate no melhor estilo brucutu da dupla, chamando a candidata do PSB de "reacionária" e de "canoa furada". Marina reagiu como a velha Marina: "Em nome da memória de Eduardo, que inclusive foi companheiro de Ciro Gomes, no mesmo partido, nesse dia eu quero oferecer a outra face. A face do diálogo, a face do respeito, a face de quem acredita na democracia".
Gente do ramo, como líderes partidários e publicitários experimentados de outras campanhas eleitorais, duvidam da eficácia do discurso "Marina magoada, Marina sentida". Talvez fosse o momento para a candidata do PSB exalar indignação e ser tão agressiva quanto as abordagens que foram feitas contra ela. Com o discurso da "outra face", Marina Silva pode dar margem às acusações de que se faz de vítima "coitadinha", na falta de melhor resposta às críticas feitas não a ela, mas a seu programa de governo.
Dilma nunca foi tão Dilma quanto na declaração de que "coitadinha" não pode ser presidente. "Ser presidente é aguentar críticas e pressão todos os dias. Tem que ter coluna vertebral. Quem leva críticas para o lado pessoal não vai ser boa presidenta". Falou a Dilma durona do primeiro mandato, a gerentona inflexível com o malfeito com a coisa pública. Antes, Marina havia chorado ao comentar críticas que recebera de Lula: "Eu não posso controlar o que Lula pode fazer contra mim, mas posso controlar que não quero fazer nada contra ele".
Há no entorno da candidata do PSB quem defenda um contra-ataque mais firme a cada investida da presidente da República. O argumento é que a disputa verdadeira é entre governo e oposição. O candidato do PSDB, Aécio Neves, teria se perdido nessa indefinição, pois em vez de atacar o governo, perdeu tempo desejando boas-vindas aos eleitores. O discurso certo seria o que faz Tasso Jereissati, ex-presidente do PSDB e candidato ao Senado pelo Ceará, quando adverte para a gravidade das denúncias de corrupção na Petrobras, que certamente estarão na ordem do dia do Congresso na virada do ano de 2014 para 2015.
A campanha de Marina tem reunião hoje para avaliar o momento da disputa eleitoral. As pesquisas internas apontam para uma disputa entre Marina e Dilma no segundo turno. Uma situação "congelada", o que permite aos aliados da candidata do PSB julgar que Marina perdeu bem menos do que poderia, diante da envergadura do ataque. Além disso, talvez não seja apropriado afirmar que Marina procura se passar por uma "coitadinha". Ela já disse, por exemplo, que está sendo perseguida por ser "filha de pobre, preta e evangélica". Houve época em que se diziam coisas parecidas sobre Lula.
O PSB aposta no "congelamento" das posições até a eleição, o que não deixa de ser arriscado, numa eleição tão volátil. Basta observar que, no Rio Grande do Sul, o candidato a presidente atualmente no terceiro lugar, segundo as pesquisas, ganha no segundo turno da candidata hoje na primeira posição. Mas é certo que depois de 5 de outubro haverá condição de igualdade entre os adversários, cada candidata terá direito a dez minutos de tempo de rádio e televisão na propaganda eleitoral gratuita. Com 2 minutos contra 11, atualmente Marina ou defende ou ataca, sem margem de manobra para fazer as duas coisas. A campanha de Dilma antecipou a disputa de segundo turno, porque precisa virar com uma vantagem maior que a atual; Marina espera por ele, quando espera por apoios e pela migração dos votos de Aécio. Serão 20 dias de angústia.
A modulagem no tom da campanha do PSB pode ser observada hoje à noite, no debate patrocinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com sinal aberto e transmissão de uma rede de emissoras católicas de televisão.
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