terça-feira, 16 de setembro de 2014

Míriam Leitão: Presidência e palanque

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff deu poucas entrevistas em seu mandato, além das curtas do dia a dia. Agora, abre as portas da confortável sala da biblioteca do Alvorada todo domingo porque isso a leva ao noticiário. Nas sabatinas dos jornais e nas entrevistas de TV, ela precisa apenas descer um andar. Os outros precisam viajar, enfrentar o trânsito para encontrar os jornalistas.

Os empresários começaram a receber um comunicado do comitê financeiro do PT pedindo, em nome da presidente da República, contribuição para a campanha. O que faz um empresário que pode ter um pedido de empréstimo subsidiado no BNDES ou ter como sócio o BNDESPar ou precisar da aprovação de alguma alteração normativa para fechar um negócio?

É difícil separar as duas funções de um candidato no exercício do cargo. Na sabatina do GLOBO, optei por chamá-la de "candidata Dilma" durante a entrevista porque considerei que naquele momento ela estava fazendo o papel de candidata. Isso não a faz menos presidencial, foi apenas um detalhe formal, já que a diferença é que os outros candidatos enfrentaram na semana passada um trânsito infernal no Rio, que consumia de uma hora e meia a duas horas para quem saía da Zona Sul. Já chegavam em cima da hora, pedindo água, ou chá, no caso de Marina.

Dilma desceu lépida apenas um andar e chegou dez minutos antes de começar a conversa, podendo quebrar o gelo. A água era servida pelos funcionários da Presidência. Como chegamos mais cedo para montar tudo, pudemos andar pela ampla sala com um valioso quadro de Di Cavalcanti, belos tapetes persas e livros de capa dura que embelezam a estante que cobre toda a parede. Tudo lembra um ambiente de leitura e reflexão. Essa estante seria o fundo a ser visto durante as duas horas da entrevista. Um dos livros que vi estava escrito na lombada: Lincoln. Todo o ambiente é presidencial.

Não foi o PT que aprovou a reeleição. Quem a inventou foi o PSDB, mas o candidato Aécio Neves disse na entrevista que a reeleição é uma "covardia", pelos recursos oferecidos ao governante. Ele se reelegeu governador, sabe a desproporção de forças. O uso da máquina não acaba se não houver reeleição porque o ocupante do cargo terá sempre um candidato, mas pode ser menor. Num país que ainda não amadureceu os limites institucionais, a reeleição é inconveniente. Uma experiência que não deu certo.

Órgãos de governo atrasam dados desagradáveis e antecipam os bons. Assim, o Inpe deveria ter divulgado em maio o dado definitivo do Prodes, o sistema que consolida as informações de desmatamento. Só foi divulgado por pressão de ambientalistas. Confirmou-se que o desmatamento, em queda desde 2004, subiu 29% em 2013. Este ano, apesar da recessão, os primeiros dados do Deter mostram que continua subindo.

A Aneel adiou para novembro o envio da carta a seis milhões de consumidores que podem perder a tarifa social de energia. O governo decidiu jogar para 2015 o sistema de "bandeiras tarifárias" que seria implantado este ano e que elevaria o preço da energia quando se usasse mais térmicas. É uma forma de sinal amarelo para o consumidor, que poderia poupar água nos minguados reservatórios. O Ministério da Educação atrasou a divulgação dos dados sobre o baixo desempenho educacional do Brasil. Mas o que impediu a postergação foi a pressão dos estados que sabiam que colheriam bons números e a insistência da imprensa que hoje, felizmente, aguarda os indicadores de educação como antes só eram esperados os da economia. O quase ex-ministro da Fazenda falou que a gasolina vai subir, mas já foi desautorizado, o que na situação dele é o mínimo. O secretario do Tesouro disse e desdisse no mesmo dia que a meta fiscal será reduzida.

Acabou a sabatina, e a presidente ficou mais um tempo conversando amenidades, enquanto o helicóptero a aguardava para levá-la à base onde iria para o Rio fazer campanha. Conversa agradável sobre netos, livros, dados a mais, e detalhes curiosos do seu cotidiano.

No Rio, os outros candidatos saíram correndo, por um lado, e os jornalistas, por outro. Era necessário sair rapidamente para os compromissos da agenda de campanha a que tanto Marina quanto Aécio estão dedicados. A soma dos pequenos detalhes cria uma situação desigual em tudo.

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