• Denúncia do discurso xenófobo vira arma petista
- Valor Econômico
O nordestino é um venal, que busca o governismo para usufruir de maneira parasitária da estrutura do Estado, indiferente a questões morais. Isolado em sua ignorância, distante de fontes de informação, não consegue enxergar além da própria sobrevivência.
O paulista é um ser contaminado pelo ódio aos diferentes e pelo preconceito em todas as suas formas, que se sustenta em um sentimento de superioridade intelectual em relação ao resto do país. Defende a desigualdade como uma manifestação de darwinismo social. Entra em êxtase quando consegue estabelecer ambientes segregados.
A julgar pela discussão que se desenvolve nas redes sociais da Internet, a este deserto mental chegamos no início da disputa eleitoral do segundo turno. Há um esforço das militâncias de transferir a agressividade entre os candidatos para seus eleitores. Se Aécio Neves inexiste para o eleitor nordestino, a culpa é dos votantes. Se Dilma foi humilhada pelas urnas em São Paulo, o eleitor é que não presta.
Por enquanto, é o PT que tem sabido capitalizar esse ambiente de boçalidade eletrônica. O perfil de Dilma Rousseff no Facebook postou uma mensagem na rede social em que a presidente afirma: "Foi de um nordestino que recebi um Brasil menos desigual. Lula mudou o país para melhor".
Já o ex-presidente, na terça-feira, sentenciou no seu perfil: "Lamentável o preconceito que vem à tona depois de um processo democrático tão importante, como as eleições no último domingo. É um absurdo que o Nordeste e os nordestinos sejam caracterizados como ignorantes ou desinformados".
Lula e Dilma deixam em aberto se estão se referindo a internautas anônimos que atacaram o Nordeste e seus eleitores nos últimos dias ou se fazem referência velada à entrevista dada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao portal UOL, em que o tucano e sociólogo disse que o voto típico do PT é o dos menos informados, "que coincide de ser o dos mais pobres". Mas o movimento político tem propósito claro.
"O PT já percebeu que terá muita dificuldade de crescer sua votação em São Paulo no segundo turno e está mirando no eleitor de Marina Silva no Nordeste, sobretudo o de Pernambuco", opinou Gaudêncio Torquato, cientista político e potiguar radicado em São Paulo desde 1967. Não por acaso Dilma resgatou a origem nordestina de Lula, que chegou de Pernambuco a São Paulo aos sete anos de idade e só não morou no Estado durante os anos em que foi presidente. Do mesmo modo, Aécio dificilmente chegará onde pretende se não passar a existir na região.
Dentro dessa estratégia a vitimização interessa duplamente, não apenas para motivar um voto bairrista no Nordeste como para desqualificar como preconceito o antipetismo evidente nos eleitores das regiões Sul e Sudeste, sobretudo dos eleitores de São Paulo.
Ainda um fenômeno a ser estudado, o antipetismo parece ter sido vitaminado por uma desinibição do sentimento conservador nos grandes centros, já detectado no ano passado por especialistas, por ocasião das grandes manifestações de junho.
Ele mostrou toda a sua exuberância nas redes sociais nos dias que antecederam a eleição. Segundo o monitoramento feito pela empresa de consultoria A2C, no dia 1º de outubro foram feitas 106,5 mil menções nas redes sociais a Dilma, sendo 72% negativas e 3.850 delas eram com a "hashtag" "Fora PT". No dia 4, véspera da eleição, foram 185,4 mil menções, 80% negativas e 11,5 mil usando o "Fora PT".
"Nas redes sociais, o grande tema político do ano é o PT, mais que qualquer outro candidato. E as menções antipetistas são muito superiores em quantidade às favoráveis ao partido", disse o diretor da consultoria, Ricardo Almeida. Apesar da virulência contra o partido, poucas foram as menções desabonadoras à solidez nordestina da candidatura de Dilma. "Este tema apareceu na rede com força hoje [ontem] e há muito mais petistas reagindo aos ataques do que manifestações de preconceito sendo feitas, o que é um perfil típico de ações organizadas na rede", disse Almeida.
O antipetismo em São Paulo não surpreende, uma vez que a eleição presidencial de 2002 foi a única a colocar o partido no primeiro lugar no Estado que é o berço do PT. Deriva de um conservadorismo ancestral, que marcou em 1955 e 1960 vitórias acachapantes na eleição presidencial em São Paulo para Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Algo que talvez tenha surgido de uma sociedade com baixa dependência do Estado e com a proeminência de uma classe média de pequenos empreendedores, que, no mundo inteiro, é avessa a mudanças sociais.
Não é de se estranhar que este caldo de cultura tenha feito o racismo e a xenofobia florescer. Como do mesmo modo já se tornou tradição usar a carta da vitimização.
Há quatro anos, uma estudante de direito de família no interior paulista, Mayara Petruso, pregou no Twitter o afogamento dos nordestinos. A moça, filha de um dono de supermercado, estava indignada com a vitória de Dilma no segundo turno da eleição presidencial. Foi processada, condenada a serviços comunitários e ao pagamento de uma multa de R$ 500.
Quatro anos antes, em comício no Farol da Barra em 6 de outubro de 2006, era o presidente Lula, então candidato à reeleição, que açulava o antagonismo em um dos atos inaugurais da campanha do segundo turno naquele ano contra o paulista Geraldo Alckmin: "Para os adversários, os nordestinos só servem para ser pedreiros. Alckmin quer conquistar os votos dos nordestinos que moram em São Paulo, mas lá eles só servem para servente de pedreiro. Ele não sabe que, além de pedreiros, os nordestinos querem ser engenheiros".
Se a manipulação que o PT faz sobre o tema funciona, é porque o preconceito realmente existe. E na hora de se lançar a carta do ressentimento sobre a mesa, sempre é possível mandar prender os suspeitos de sempre. No submundo da internet, não faltarão os que se prestam para este papel.
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