• Protestos que tomaram conta do país em 2013 pedindo reformas drásticas não transformaram o cenário político após as eleições. O percentual de renovação da Câmara, por exemplo, foi inferior à média registrada em pleitos anteriores
Marcelo Monteiro – Zero Hora (RS)
Em junho de 2013, barulhentos protestos tomaram as principais cidades brasileiras, exigindo, entre outras coisas, mudanças na política do país. Na primeira oportunidade de transformar o cenário pela via democrática, porém, o grito das ruas não ecoou nas urnas. Tanto no âmbito federal, que pela quarta vez seguida teve PT e PSDB em embate direto no segundo turno, quanto nas eleições parlamentares, o que se viu foi mais do mesmo – na Câmara, o percentual de renovação foi de 46,4%, inferior à média de 49% registrada em pleitos anteriores.
Para Valeriano Costa, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das explicações para que o elenco congressual não tenha se alterado drasticamente está no próprio caráter das manifestações de 2013, que pregavam o distanciamento da política tradicional.
– Como o movimento recusava os partidos e qualquer organização partidária, seus potenciais representantes não concorreram e não puderam ser eleitos. Para eles, não havia sentido em cobrar renovação na política. Eles queriam uma nova política, e não novos políticos – argumenta Costa.
Outra razão para que a voz dos protestos não tenha sido ouvida nas urnas um ano e quatro meses depois dos protestos seria, segundo Costa, a pouca representatividade numérica dos manifestantes diante da população como um todo. De acordo com o estudioso, embora formasse uma massa barulhenta, o contingente de pessoas que participaram dos atos não chegava a ser expressivo quando considerados os 142 milhões de eleitores.
Para completar, em regra, os manifestantes tinham um perfil comum – adolescentes, jovens e adultos jovens de classe média, urbanos, com padrão de renda média/alta – que não refletia a população brasileira em todas as suas variáveis econômicas, sociais e culturais.
– Quem se mobilizou foram alguns poucos milhões de pessoas, não há como precisar. Quem estava na rua não dá nem 5% do eleitorado. Este contingente não tem a menor capacidade de conseguir um resultado eleitoral significativo – completa Costa.
Radicalismo distanciou população dos protestos
O cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice, empresa de análise política e políticas públicas, acredita que a imensa gama de bandeiras estampadas nos protestos de junho – do passe livre estudantil à revolta contra a corrupção, passando pelo repúdio aos gastos públicos com a Copa – ajudou a diluir o reflexo das manifestações. Além disso, segundo Aragão, a radicalização de algumas alas, como os black blocs, teria afastado a massa da população do ideário do movimento.
– Aquela mobilização tinha interesses difusos e, basicamente, se direcionava a questões urbanas, como por exemplo o transporte coletivo e a questão da cura gay. Foi um movimento pontual, que não criou raízes, já que foi apropriado por setores radicais. Com isso, a população ficou distante, e não houve impacto eleitoral.
Ainda na opinião do cientista político, mesmo que eventuais expoentes das manifestações tenham buscado participar da política tradicional, procurando filiar-se a partidos consolidados no cenário nacional, é provável que a maioria não tenha recebido oportunidade de participar do pleito pelas principais siglas.
– Os partidos são muitos fechados, não abertos à renovação. A renovação é lenta, sempre submetida aos caciques e àqueles que comandam os partidos. Existem milhares de pessoas que tentam entrar na política por partidos pequenos e não conseguem – sentencia Aragão.
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