• Alguns economistas que previram o fim dos tempos com o fim do bônus demográfico devam rever previsões
- Valor Econômico
A edição de 4 de outubro passado da revista "The Economist" traz um encarte de várias páginas com reflexões sobre um novo mercado de trabalho que estaria se formando nas economias do mundo. Ainda com mais traços especulativos do que certezas comprovadas, o desenho que se apresenta ao leitor atento e de mente aberta é muito interessante e desafiador.
Como sempre acontece em mudanças estruturais fortes, que atingem a humanidade de tempos em tempos, a matéria especula sobre quem serão os eventuais ganhadores e perdedores desta vez. Tendo como pano de fundo a comparação com outras mudanças que ocorreram no passado, o centro da matéria é a revolução tecnológica dos últimos anos no domínio da eletrônica e das comunicações via ondas de rádio.
Uma das questões realmente intrigantes da matéria é a parte na qual se constrói um novo "divided" no mercado de trabalho em resposta a essas mudanças. Em resumo, o que se deprende da leitura é que o fosso entre a remuneração dos trabalhadores com qualificação e os sem formação adequada vem aumentando rapidamente nos últimos anos.
Além disto, um novo elemento do lado da oferta de trabalho não qualificada - os robôs - vem ganhando força e limitando os ganhos salariais dos trabalhadores sem uma qualificação adequada. Estas máquinas, que combinam a eletrônica com movimentos mecânicos, já existem há muito tempo, mas o desenvolvimento dos chamados "sensores" está dando aos robôs modernos uma dimensão totalmente nova.
Estes sensores, com uma micro eletrônica de extraordinária capacidade de reação a mudanças de padrões, estão deixando a geração mais antiga destes homens mecânicos muito para trás. Os atuais, com sensores de última geração, desenvolveram características quase humanas e têm hoje a capacidade de sentir mudanças sutis, de cheirar, de enxergar e de enviar comandos para a área de produção.
A matéria da "The Economist", na segunda parte, volta suas reflexões para os efeitos destas mudanças sobre o mercado de trabalho. Basicamente as conclusões que podemos chegar de sua leitura são duas:
• essa nova geração de robôs vai intensificar a substituição da mão de obra de baixa qualificação ao mudar as fronteiras entre o trabalhador qualificado e o sem as qualificações necessárias para entrar no novo mercado de trabalho;
• por isto, as condições de salário e emprego no segmento dos trabalhadores sem qualificação vão se deteriorar, com salários reais mais baixos e taxas de desemprego mais elevadas. Esse movimento será mais grave nos países emergentes, que usavam a disponibilidade de mão de obra barata para entrar nos mercados dos países mais ricos.
Um dos antídotos contra esse movimento secular de piores condições do mercado de trabalho, será a criação de novos postos de trabalhos em setores que não exijam esta nova super-qualificação profissional. Um exemplo deste movimento eu vivenciei na China, ao ler em um diário de Pequim um anúncio da "Starbucks", que inaugurava naquele dia 100 lojas no país.
O outro movimento secular que atinge hoje o mundo desenvolvido e alguns dos países emergentes - a redução no crescimento populacional - agirá também no sentido de minorar os efeitos destas mudanças. Com menor crescimento da população haverá uma redução na oferta de mão de obra não qualificada, o que deve facilitar o reequilíbrio do mercado de trabalho.
Volto agora ao domínio das finanças, depois desta visita ao futuro do mercado de trabalho. A maioria dos analistas de conjuntura não incorporam mudanças estruturais como esta, que ocorrem no domínio da economia, às suas leituras. E estão certos em agir assim, pois trabalham com um horizonte de tempo curto demais para levar em conta o longo prazo. Por isto, quando o longo prazo chega e passa a afetar o mundo financeiro, os erros de previsão podem ser grandes.
Como agora, com a aposta de 90% do mercado - cifra de uma pesquisa recentíssima do "Financial Times" - de que com os juros baixos nos Estados Unidos a inflação de salários iria voltar e o Fed teria que mudar sua política de juros mais cedo do que suas previsões. Nada disto ocorreu, pois mesmo com a economia americana voltando a crescer perto do potencial, os salários médios continuam bem comportados. Talvez os Estados Unidos estejam vivendo já a nova dinâmica que foi citada na matéria da "The Economist". Mas, certamente, enquanto isto não é provado o Fed não vai ter pressa para aumentar o rigor de sua política monetária. Prefere errar, no sentido de que este novo mercado de trabalho não existe ainda, e correr atrás do prejuízo de uma inflação de salários revivida.
Finalmente, gostaria de ligar a matéria da "Economist" à questão do chamado bônus populacional e seus efeitos no futuro, quando a população brasileira terá envelhecido. Alguns economistas já gastaram muita tinta prevendo o fim dos tempos em 2025 quando o bônus populacional de hoje tiver acabado. Talvez devam repensar suas previsões de muitas dificuldades e ver isto como um mecanismo compensatório do nível de emprego menor no futuro.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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