• Sugerir que o voto é manipulável desqualifica o eleitor
- Valor Econômico
Esta campanha termina como começou. As aglomerações são menores, mas as pessoas voltaram às ruas, como em junho de 2013. Reclama-se que o clima está radicalizado mas a turma nem de vinagre precisou. Os eleitores que voltaram a ocupar as ruas nesta reta final são menos criativos mas se juntam pela cor das bandeiras. Saem em busca de sua turma, o que parece útil numa eleição.
A tarifa segue congelada e os 12 monumentos não evitaram o 7 x 1. Tudo isso mais o voto de domingo os levaram de novo ao asfalto. Celso Russomanno arrebentou, mas o fim da democracia representativa vai ter que ficar para depois.
As pessoas podem ter sido estimuladas a se manifestar pelo clima quente dos debates e pela guerra que se trava na internet, mas o que se assistiu no Tuca, no Largo da Batata e em outras praças do país não foi a reprodução da sarjeta. A rua civilizou ou, no pior das hipóteses, domesticou os black blocs da guerra virtual.
A eleição mais engajada do século é também aquela que ameaça ter o maior percentual de absenteísmo. As pessoas deixam de votar porque não têm como se deslocar, não sabem que é preciso levar documento com foto nem se recadastraram para a identificação digital, detestam fila ou preferem pagar R$ 3,50. A multa é tão baixa que quem se envergonha do voto obrigatório pode até tirar esta saúva dos males do Brasil. O enfado eleitoral só será uma preocupação no dia em que deixar de haver brasileiros ausentes da urna por não poderem pagar passagem.
Há mais petistas tanto entre aqueles para quem é caro votar quanto entre aqueles que se viram melhor com menos teclas a manejar. É difícil saber se a ausência de um será compensada pelo desembaraço do outro. Pode haver mais tucanos entre eleitores que se sentem mais intimidados diante de pesquisadores de institutos do que na urna. E é ainda mais difícil saber se a vantagem se anula com a ausência de antigovernistas enfadados.
Findas as disputas parlamentares que aumentam o volume de campanha, a máquina de votos fica mais concentrada nos Executivos municipais, onde a coligação governista leva vantagem, e estaduais, onde os tucanos competem em maior pé de igualdade. A ver o que se passa em São Paulo. Petistas apostam que a inclusão do Estado no polígono das secas tiraria de Aécio Neves aquilo que os eleitores deram generosamente a Geraldo Alckmin.
A despeito da vantagem petista que ontem extrapolou a margem de erro, os partidos tabulam o absenteísmo sob o temor de que, consolidado o eleitorado, a parada será ganha nos decimais. É possível que os eleitores que virão depois da vírgula não sejam fundamentais para garantir a eleição, mas aqueles que virão antes terão feito a campanha mais disputada desde que a maioria começou a votar.
Não faltaram motivos para desgosto. Depois de tão longa campanha não surgiu nenhuma proposta que redimisse o caráter regressivo do sistema tributário que penaliza mais quem gasta a maior parte do salário para comer e se locomover. Apesar do financiamento da saúde pública ocupar o topo das preocupações, não apareceu quem se perguntasse por que servidores de um Estado que gasta quase 10% do seu PIB com o SUS têm planos de saúde privados custeados pelo erário.
As lacunas do debate não foram suficientes para desmobilizar o eleitorado. E uma razão possível é que o Estado se fez mais presente na vida dos cidadãos. É porque apareceu onde não existia que passou a ser mais disputado entre aqueles que não querem perdê-lo e aqueles que pretendem deslocá-lo.
Como mostrou Denise Neumann na comparação das propostas de campanha dos dois candidatos (Valor, 22/10), a campanha teve feitos prodigiosos como o de o PSDB ter passado a cogitar uma contribuição nos moldes da CPMF para custear o Minha Casa Minha Vida e a revisão do fator previdenciário, aprovado no governo Fernando Henrique Cardoso. Para ser reconduzida, Dilma Rousseff teve que apalavrar uma taxa de retorno dos investimentos em concessões em infraestrutura arbitrada pela disputa entre os interessados e reconhecer que as políticas setoriais de incentivo a indústria passaram do limite.
A política externa talvez tenha sido o tema em que as duas candidaturas menos fizeram inflexões no sentido de agradar a torcida alheia. O PT mantém a ênfase no Mercosul e nos Brics enquanto o PSDB explicita a determinação de fazer avançar acordos bilaterais e de um Brasil mais aberto aos Estados Unidos e à Europa. Sem convergências, constituem o núcleo duro de ambas as campanhas.
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva mantiveram um protagonismo na campanha que guarda pouca relação com o papel que podem vir a exercer no eventual mandato de seus candidatos.
Saudado por banqueiros e empresários como o único petista capaz de moderar um eventual segundo mandato da presidente inflexível nas suas convicções e embates, Lula esteve endiabrado nos palanques. Além do candidato tucano, alvejou Fernando Henrique. resgatado por Aécio como nenhum dos dois paulistas que o antecederam na disputa pelo cargo o fizeram.
Alguns eleitores que vão às urnas neste domingo votam para o outro, mas a grande maioria vota para si - uns poucos por ganância e outros muitos por necessidade.
A consciência do eleitor se prestou às mais diversas interpretações nesta campanha, até à de que é determinada pelo seu grau de informação. Por esta visão, o eleitor que não teve oportunidade de estudar se presta mais facilmente à manipulação da propaganda. Sugere que o eleitor capaz de sobreviver ao ônibus lotado, à carestia e a assaltos cai facilmente nos contos das campanhas eleitorais. Daí para a desqualificação do eleitor e do resultado das urnas é um passo.
Um outro palpite, tirado de um livro amarelado na estante, é que o bafômetro, a Lei Maria da Penha, Igor Rousseff, o adolescente que não forra a cama, as levianas, os bares do Leblon, Lindsay Lohan, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não fazem a cabeça dos brasileiros. É a vida do eleitor e o que as urnas podem fazer dela que determinarão o domingo na praça.
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