- O Globo
Difícil atravessar o mar vermelho das contas públicas sem que isso tenha consequências na economia. Tudo é inédito: o maior déficit primário, o quarto déficit consecutivo, o menor superávit primário acumulado no ano. Não há como esconder, não há truques possíveis: o Brasil está vivendo o seu pior momento de deterioração fiscal desde que começou a atual série de dados do Banco Central.
O país já tinha se acostumado com a queda do superávit primário e o não cumprimento da meta este ano. O objetivo fiscal vem sendo reduzido nos últimos anos. E, mesmo assim, só tem sido atingido com os conhecidos truques, alquimias e pedaladas. Ontem ficou claro que acabou a mágica. Os efeitos especiais não escondem mais o tamanho da encrenca fiscal. Os sinais de piora são preocupantes, mas o debate político se passa como se a grande questão fosse saber se a candidata Marina Silva votou ou não na CPMF. Ora, quem não foi contraditório em relação à CPMF que atire a primeira pedra.
O PT votou contra e quando chegou ao poder lutou para mantê-la; o PSDB criou o imposto e foi ele mesmo que o derrubou, quando virou oposição. A questão realmente séria é outra. A presidente Dilma, candidata líder das pesquisas, afirmou que o país não precisa de ajuste fiscal e dias depois o Banco Central divulga que em agosto houve déficit primário — ou seja, sem contar as despesas com juros da dívida — de R$ 14,5 bilhões. E este é o quarto resultado negativo. O governo, que se comprometeu a economizar R$ 99 bilhões, só conseguiu economizar 10% disso em oito meses.
Foram R$ 10 bilhões, mas com a ajuda de R$ 5,4 bilhões de dividendos e R$ 7,1 bilhões de Refis, que são receitas extraordinárias. Sem esses recursos haveria déficit no ano. O resultado que o próprio governo anunciou como meta não será atingido e desta vez não há mágica que melhore o número. O leilão de telefonia para a banda 4G foi feito em um mau momento para o setor, quando duas operadoras — Oi e Nextel — se viram impossibilitadas de oferecer lances. Com isso, a concorrência foi menor e o governo arrecadou apenas R$ 5,8 bilhões, abaixo da meta esperada, de R$ 8,2 bi. Alguns economistas já fazem outras contas em que retiram as receitas extraordinárias para se saber o resultado primário efetivo.
Só o fato de fazerem isso já demonstra a perda de credibilidade dos dados fiscais do Ministério da Fazenda. Pelos cálculos da Rosenberg Associados, o superávit primário descontado de receitas extraordinárias é de apenas 0,07% do PIB nos últimos 12 meses até agosto. A consultoria calcula que, de janeiro a agosto, as receitas líquidas do governo cresceram apenas 0,2% enquanto os gastos primários — sem contar pagamento de juros — subiram 6%.
A queda do superávit primário tem três consequências diretas para a economia. Primeiro, ao gastar mais do que o esperado, o governo joga lenha na fogueira da inflação e dificulta o trabalho do Banco Central de controlar os preços. Segundo, o endividamento do setor público aumenta, e isso torna mais próximo o risco de um rebaixamento da nota de crédito do país. Terceiro, ao gastar mais, o governo contribui para a queda da taxa de poupança, e isso é um entrave para a retomada dos investimentos.
O risco de rebaixamento tem efeito direto no custo das empresas e das entidades públicas no financiamento externo. Além disso, se o Brasil perder o grau de investimento deixará de receber recursos dos investidores institucionais que, por estatuto, ficam fora dos mercados sem esse grau. Com os dados de agosto, o déficit nominal chegou a 4% do PIB e a dívida bruta rompeu a barreira de 60% do PIB.
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